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Artistas falsos e o mercado milionário dos streamings de música

Com o rápido avanço do streaming para a indústria musical, surgiu um modelo de negócio para os chamados “artistas falsos”. 

História essa que começa lá em 2017 quando o site Music Business Worldwide fez uma reportagem sobre “artistas falsos” que aparecem no Spotify.  

Uma lista com 50 supostos músicos foi divulgada que, à época, somavam juntos 520 milhões de reproduções — o que dava um retorno de 3 milhões de dólares. 

Entretanto, esse era apenas um pedaço do pedaço do topo do iceberg. Vamos tentar explicar com mais detalhes neste texto.

A manipulação dos algoritmos

Segundo o site MBW, o Spotify estava sem contrato com três grandes gravadoras, e começou a travar uma disputa pelos direitos de participação na receita paga, algo em torno de 55% do valor total arrecadado.

Não satisfeita, a empresa de streaming começou a fazer seus próprios discos, pagando produtores para criar faixas dentro de diretrizes musicais específicas. Esses produtores receberam uma taxa fixa por seu trabalho, além das despesas com estúdio e músicos — mas é o Spotify quem detém os direitos autorais do master. 

Desta forma, segundo o site, faixas diversas começaram a aparecer nas playlists do Spotify, todas com algo em comum: artistas com nomes falsos são creditados como os detentores dos direitos autorais da obra. Como funciona?

Segundo a matéria do site, o Spotify instrui os produtores a criar faixas instrumentais, ou seja, sem vocais, e que se encaixam em diversos gêneros e temas específicos como, por exemplo, jazz, música para relaxamento e piano tranquilo para estudo.

A tacada final é colocar essas faixas dentro das chamadas playlist first-party, ou seja, listas de reprodução que aparecem com primeiras opções nas buscas. Como elas já contam com milhões de usuários, é só esperar o “booommm” das reproduções. 

Na semana seguinte, uma das faixas do compositor Charles Bolt, tinha mais de 1 milhão de reproduções. Esta pesquisa estima que cerca de 20 pessoas estão por trás de mais de 500 nomes de artistas. 

A história se desenrolou por mais um tempo, com o Spotify negando todas as acusações

Segundo o escritor e crítico musical Ted Gioia,  os algoritmos determinam quais são as faixas que aparecem primeiro e também quais são as faixas disponíveis para aquela meditação relaxante.

Na prática, eles ditam as regras de como parte dos royalties das músicas serão distribuídos. Manipulando os algoritmos, qualquer um pode enviar uma boa soma de dinheiro para a sua conta.  

Gioia complementa dizendo que: 

“A raiz do problema é a natureza cada vez mais passiva do consumo de música. As pessoas costumam pedir à Alexa, ou a algum outro assistente digital, para encontrar músicas de fundo para alguma tarefa específica — estudar, malhar, tarefas domésticas, meditação, relaxamento etc. Eles não prestam muita atenção aos artistas ou aos títulos das músicas, e é isso que cria uma oportunidade de abuso.”

“Meditação sono de bebê piano relaxante”, procurar!

Mas por que o problema de um falso artista nas plataformas de streaming é muito mais ameaçador do que parece à primeira vista? 

Simples: a prática de criar esses falsos artistas, tem se expandido dentro dos chamados grandes players da indústria mundial. E quem seria louco de bater de frente com eles? 

Em uma matéria publicada recentemente no MBW, uma fonte anônima destaca alguns pontos que merecem atenção. 

Segundo a fonte, em todos os serviços de streaming, uma parcela crescente do consumo está acontecendo em áreas do produto que são totalmente controladas pelo DSP [plataforma de streaming digital]. 

Isso acontece porque a maioria dos usuários prefere acesso fácil a experiências pré-selecionadas em vez de fazer o trabalho de encontrar ativamente o que ouvir.

A categoria “música de humor”, por exemplo, é um dos segmentos de maior crescimento da indústria da música. Uma parcela crescente das centenas de milhões de pessoas que pagam por esses serviços de streaming não são realmente fãs de música.

Mais importante: já que não há mais nenhum custo para acessar um único conteúdo, as músicas para meditação, trabalho, leitura, estudo ou para dormir estão se tornando um hábito.

Já nos idos de 2016, milhões de pessoas que pesquisavam por “sono de bebê”, “meditação” ou “piano relaxante” encontravam músicas de baixa qualidade e lançadas sob pseudônimos otimizados para mecanismos de busca — muitos deles gerando mais receitas do que artistas pop mainstream significativos na época.

Ainda segundo a matéria, empresas como a Sony e a Universal Music criaram listas de reprodução para atender a demanda dessas buscas sob suas marcas Digster e Filtr.

Os créditos do compositor dessas músicas, escritas ou produzidas por escritores/produtores, aparecem com nomes completamente diferentes dos pseudônimos otimizados para mecanismos de busca.

E para finalizar, o autor do texto diz: 

“Não se engane, todos os DSPs estão engajados no acima. O Spotify está levando mais calor porque são os maiores e mais transparentes, enquanto Apple, Amazon, Deezer e Tencent tornam muito mais difícil para jornalistas como você ver o que está acontecendo, já que não há contagens de streams, escritores ou até créditos de gravadoras”. 

E o que vem pela frente? 

A previsão de que o TikTok se tornaria a maior rede social em poucos anos, já se concretizou. Agora a jogada de mestre é adentrar de vez na indústria da música

O TikTok tem uma capacidade única de impulsionar as tendências musicais. Tudo isso porque as partes curtas e “cativantes” de uma canção podem ser isoladas para a remixagem em formato vídeo, tornando-se virais.  

Qualquer pessoa pode carregar um áudio para o Tiktok para remixar, e milhares de utilizadores podem dançar ao som de uma canção sem que haja a necessidade de ter um artista musical. 

A plataforma até paga royalties a alguns artistas, mas esses royalties são ditados pela quota de mercado, não pelas opiniões, e nem todos sabem como capitalizá-las.

No começo de março, o TikTok anunciou um serviço de marketing e distribuição musical chamado SoundOn, que permitirá aos músicos carregar canções diretamente no aplicativo e receber royalties por reproduções, geridos através de uma plataforma de artistas designada. 

A plataforma inclui também ferramentas analíticas para ajudar os artistas a alavancar a viralidade.

Qual é o interesse do jovem aplicativo? 

Em 2021, as receitas musicais gravadas nos Estados Unidos cresceram 23%, saltando para 15 bilhões de dólares. Todos os principais formatos de música cresceram em comparação com o ano anterior, com exceção dos downloads digitais

As subscrições pagas continuaram a ser o maior motor de crescimento, resultando no sexto ano consecutivo de crescimento das receitas da música — que teve uma receita de 9,8 bilhões de dólares em 2021. 

Aqui no Brasil, a Abramus Digital anunciou sua primeira parceria como TikTok. Segundo o anúncio: “…vai garantir a licença de publicação de 100% do catálogo musical da Abramus Digital para o TikTok no Brasil”. 

E ainda: “A parceria foi firmada para enriquecer a experiência dos usuários e dos criadores das músicas disponíveis através da plataforma, ajudando-os a espalhar sua música em canais ilimitados”. 

Essa história dos “artistas falsos” ainda vai longe…


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