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(Sub)missão social da mulher brasileira

Em princípio, sou contra todos os atos e leis pelos quais os homens têm decretado a incapacidade da mulher. Poderei ser considerada suspeita, mas felizmente há muitos homens que pensam como eu. 

Não se argumente com a frivolidade espiritual da mulher. Essa frivolidade é um genuíno produto do espírito frívolo do homem, que se (?) leva e às encanta pelos artifícios da moda e que não cessa de alimentar e estimular, em proveito de sua fátua vaidade, a vaidade feminina: se há mulheres que pintam os cabelos, a face, os lábios e até os olhos, é porque, diga-se a verdade, há homens que, direta ou indiretamente e tiranicamente, o determinam. É preciso que se eduque a mulher, para que ela reaja contra essa prepotência que a deprime. E ela há de reagir, porque esse é o seu principal interesse na atualidade. 

Está provado que a mulher pode exercer, como o homem, qualquer profissão científica, artística ou econômica; que ela pode ser uma ótima empregada pública; que ela já tem brilhado como pintora, musicista, escultora, poetisa ou romancista; que ela se desempenha com denodo nas profissões de comerciante, agricultora ou operária; que ela pode honrar uma toga de magistrado ou de jurisconsulto, como pode celebrizar-se nas ciências físicas ou naturais, em filosofia, em medicina em matemática. 

Em nosso meio, hoje, como antigamente, julga-se, em regra, que as funções sociais da mulher devem limitar-se a sua missão de mãe e de donas de casa; missão em que realmente a mulher instruída, meiga e boa, hoje, não como vil escrava do homem, mas como sua digna companheira, presta os mais relevantes serviços, gerindo a economia doméstica e formando o caráter de seus filhos. No lar são sublimes os exemplos de amor, de abnegação e de sacrifícios da mãe brasileira. Mas essa heroica, é, em regra, incapaz de, por seu trabalho, prover a subsistência da família.

Se o marido não for ou deixar de ser um homem de ação? Se ele faltar, a miséria, a fome e, às vezes, a dissolução moral da família são consequências da falta de preparo da mulher para as lutas da vida. Em nosso meio, são comuns os fatos de viúvas de altos funcionários falecidos mendigarem uma pensão do Estado, para poderem viver ela e seus filhos. Não é isto deprimente para a mulher paranaense?  

A mulher professora exerce um apostolado. A verdadeira professora é segunda mãe. Ela que se esforça e que se sacrifica heroicamente nos árduos trabalhos da educação das crianças. Não há dúvida que a escola pública primária tem de ser entregue inteiramente à direção da mulher que, evidentemente, muito mais do que o homem, reúne os requisitos físicos, morais e pedagógicos para o exercício dessa nobre e elevada missão. 

Os homens, no Paraná, perdoem-me eles a franqueza, só se resignam a exercer a profissão de professores primários, como meio de vida transitório, enquanto não arranjam emprego mais rendoso, ou mais representativo ou… menos trabalhoso; ou como meio de vida permanente, só no caso de incapacidade para o exercício de outra função mais alta ou mais cômoda. Esta é a verdade nua e crua. É, pois, com a mulher que tem de contar o Estado para se desempenhar a função educativa, a qual estão subordinadas todas suas demais funções políticas e administrativas. 

Trecho transcrito e publicado com a devida atualização ortográfica, mantendo-se a gramática original.  

Publicado originalmente com o título Missão Social da Mulher Brasileira no jornal Commercio do Paraná em 6 de maio de 1926, o texto acima é a visão da educadora e escritora Annette Clotilde Portugal Macedo (1894-1963), cujo legado para a educação primária em Curitiba reverberou nas primeiras décadas do século XX. Sua visão sobre a educação e o feminino denotam com clareza as diversas batalhas diariamente vivenciadas pelas mulheres até os dias de hoje. 

Em 29 de abril de 1923, realizava-se a primeira de uma série de atividades exclusivamente para mulheres promovidas pelo Centro de Letras (entidade criada por literatos como Euclides Bandeira e Emiliano Perneta em 1912): um concurso no qual as mulheres paranaenses deveriam responder se “Deve a mulher brasileira influir diretamente na política?” 

Devido aos seus afazeres educacionais, e também por morar um pouco afastada da cidade (ela morava em uma fazenda e recebia os convites com atraso), Annete não participa do concurso, ficando de fora da premiação. 

Jornal Commercio do Paraná, 6 de maio de 1923 

Durante a sessão pública de leitura e premiação, a leitura do texto de Annette causou um mal-estar na plateia que prestigiou o evento. O conteúdo abordado e, sobretudo, a maneira com que a autora se posicionava frente ao assunto, foram consideradas pouco ortodoxas

Observando nosso cenário atual, é possível constatar que pouco ou muito mudou. Houve avanços, é inegável, mas enquanto sociedade, perdura a ignorância.

Pinçamos alguns números para refletir: 

52,5% do eleitorado brasileiro são mulheres. 

15% das 513 cadeiras na Câmara dos Deputados, são ocupadas por deputadas. 

14% das 81 vagas para o Senado são ocupadas por mulheres. 

140°, segundo a ONU, é o lugar ocupado pelo Brasil no ranking de representação feminina no Parlamento. 

Na coluna Artistas de Antes & Sempre, escrevemos sobre pessoas, espaços, lugares ou assuntos históricos que podem nos ajudar a conhecer nosso passado para construirmos um futuro. Na imagem abaixo você tem a conclusão do texto de Annette. 

Jornal Commercio do Paraná, 6 de maio de 1923

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