Antes de continuar a contar essa pequena parte da história de Georgina Mongruel, precisamos fazer um adendo à primeira parte desta pesquisa.
Você deve ter percebido que uma das principais atividades desenvolvidas por Georgina logo após a sua chegada a Curitiba foram as aulas de música, e que ela também era conhecida por algumas composições.
Entretanto, até o momento, não encontramos nenhuma de suas obras musicais, sejam elas publicadas em periódicos ou manuscritas. É possível que na atualidade elas façam parte de algum acervo particular, ou mesmo que tenham se perdido com o passar dos anos. Algo que, por mais triste que seja, é mais comum do que imaginamos.
Dito isto, deixamos aqui uma semente plantada para futuras pesquisas, e em caso de novidades de nossa parte, publicaremos aqui no Lambrequim.
Feito nosso adendo, vamos para a segunda parte de Georgina Mongruel, uma multiartista mulher na virada do século XX.
As mulheres na cena literária curitibana no início do século XX
No final do século XIX e nos primeiros anos do século XX, a cidade de Curitiba vivia um entusiasmo literário. Entretanto, a maior parte da população permanecia alheia (estima-se, que a taxa de analfabetismo chegava a 65% da população) fazendo com que a “efervescência” cultural ocorresse apenas entre as camadas médias e altas da sociedade.
As mulheres das classes citadas escreviam em periódicos locais, falando basicamente sobre os assuntos considerados femininos, tais como a moda, a etiqueta e o casamento.
Essa foi a forma encontrada por muitas mulheres para adentrar em círculos de produção cultural dominados por homens — e também uma maneira de criar um público leitor. Desta forma, as autoras utilizavam o espaço que dispunham para expor ideias sobre política, educação e direitos das mulheres.
Entre elas estava Mariana Coelho, personagem que já recebeu uma publicação exclusiva dedicada a sua vida e obra aqui no Lambrequim. Mariana possuía uma coluna mensal chamada Chronica da Moda publicada no jornal Diário da Tarde.
Em 1902, preocupada em ver uma mudança no papel social exercido pelas mulheres de seu tempo, Mariana Coelho mobilizou a sociedade para seu projeto: a criação do Colégio Santos Dumont.
Os feminismos de uma cidade provinciana
Como você pôde ler no link acima, Mariana era uma defensora voraz das causas feministas. Entretanto, nem todas as pessoas da sociedade curitibana aceitavam seu posicionamento — entre elas, Georgina Mongruel, que neste período já estava plenamente estabelecida no cenário artístico e cultural da cidade.
Os jornais, em um determinado período, foram as redes de conexão da sociedade. Portanto, pense apenas no tipo de discussão que se travava e a forma pela qual se recebiam as réplicas.
A capa do jornal Diário da Tarde de 2 de março de 1901, traz um artigo de Georgina,
intitulado La Femme Electeur, onde ela expõe suas ideias, defendendo o direito da mulher à educação, para que pudesse educar corretamente sua família e defende também a profissionalização da mulher. No entanto, ela se mostra contrária ao voto feminino e a inserção da mulher em espaços políticos.
Na edição do dia 4 do mesmo ano e mês, a resposta de Mariana Coelho faz a defesa do seu artigo, informando que possivelmente havia sido mal interpretada.
A quadruplica viria no dia seguinte, quando Georgina acusa Mariana Coelho de ter sido mal-educada ao chamar a autora do manual de etiqueta de “francesinha desfrutável”. Vale lembrar que, à época, a França servia de exemplo de civilização e cultura para a elite da época.
E para finalizar, ao menos em parte a discussão, uma vez que as discordâncias continuariam a ser comuns no futuro, visto que as duas tinham visões bem diferentes no que diz respeito ao papel social feminino, no dia 6, Mariana, de forma irônica, pede desculpas a Georgina.
Discordâncias à parte, ambas concordavam que a participação de mulheres na cena pública deveria estar condicionada à preservação dos deveres domésticos de mãe, esposa e filha.
Segundo Etelvina Maria de Castro Trindade, em sua obra intitulada Clotildes e Marias: mulheres de Curitiba na 1ª República, tal modelo de comportamento da mulher fazia parte do ideário positivista, onde a participação das mulheres na cena pública, nas esferas sociais e culturais não deveria entrar em desordem com a vida doméstica.
Se por um lado causa estranheza a posição defendida por Georgina no que diz respeito ao papel das mulheres na sociedade, visto sua formação, e ainda considerando que certamente ela acompanhava as notícias vindas da Europa, por outro, é possível que a sua real preocupação estava na formação das futuras cidadãs.
A confirmação disto é clara, quando, mesmo sendo contrária às ideias de Mariana, Georgina aceita o convite para fazer parte do corpo docente do recém-fundado Colégio Santos Dumont.
Abaixo, um anúncio do jornal A Republica: orgam do Partido Republicano, informando que, em 1903, o Colégio Santos Dumont passava a ofertar, sob a orientação de Georgina, os cursos de “Belas Artes, Música e Desenho”.
Imagem 7
Georgina e a revista “A Escola”
Conforme dissemos anteriormente, ao se estabelecer na cidade, Georgina atuou principalmente como musicista e professora de línguas estrangeiras. Mas logo obteve espaço para a publicação de seus escritos nas revistas e jornais.
Dentre seus diversos escritos publicados, está um que também colabora com a nossa hipótese sobre o fato de Georgina estar preocupada com a formação das futuras cidadãs.
Entre os anos de 1906 e 1921, A Escola: Revista do Grêmio dos Professores Públicos, publicava textos voltados para a educação visando suprir a carência de escolas específicas para a formação de professores.
Caso seja do seu interesse, existe uma extensa pesquisa realizada especificamente sobre a revista “A Escola” de autoria de Claudia Maria Petchak Zanlorenzi e Maria Isabel Moura Nascimento.
É válido para nós dizer que a direção da revista foi composta por Sebastião Paraná (seis primeiras edições) e Dario Velozo, que, conforme veremos no futuro, têm relação direta com a figura de Georgina.
Entre os anos de 1907 e 1910, a revista contou com a colaboração de Georgina, cujo a coluna recebia o nome de Ensino Didactico. O texto abaixo é de 1907.
Neste mesmo ano, Georgina é acometida de alguma doença que não conseguimos especificar. Mas a gravidade da doença, ocorrida no mês de janeiro, a afastou por um breve período das atividades presenciais nas escolas em que lecionava.
Segundo as informações coletadas, atendendo a uma demanda da sociedade, Georgina inaugurou uma escola de canto. Abaixo, o anúncio do jornal Diário da Tarde publicado em 14 de maio de 1907.
As aulas foram realizadas provisoriamente na “Eschola Soledade” na rua Ractcliff (um político português, que morreu enforcado na Revolução Pernambucana e que não possui relação alguma com o Paraná. Algum tempo depois, a rua foi rebatizada de Desembargador Westphalen).
Rege a lenda que a rua era de escassa iluminação pública onde, com apenas uma batidinha na porta, o distinto cavalheiro se escondia entre os panos das solteiras do reino (você deve imaginar quem eram essas moças).
Quem conta essa história, é Jorge Lemoine (primogénito de Georgina). Por vezes, ele fazia relatos de suas memórias sobre os “tempos antigos” em jornais na capital. Em certas ocasiões, ele expõe que, no passado, os nomes das ruas eram mais poéticos e dá exemplos das célebres ruas como a Rua do Fogo, por exemplo.
Georgina some do Diário da Tarde
Aqui é importante trazer um alerta para os futuros pesquisadores — e também uma justificativa de possíveis brechas deixadas por esta pesquisa.
O referido jornal, Diário da Tarde, que durante a primeira década do século XX publicou mais de uma dezena de textos e notícias da nossa personagem, simplesmente para de publicar informações sobre Georgina. Ou seja, seu nome simplesmente desaparece — ao menos nas buscas através da ferramenta da Hemeroteca Digital.
Esse vácuo temporal no nosso quebra-cabeças é de exatamente uma década. Portanto, caso alguém se interesse em dar continuidade a este trabalho, uma das possibilidades é começar investigando uma por uma as publicações do referido jornal.
Para não desanimar ninguém, são aproximadamente (apenas) 3163 publicações com 4 páginas cada.
Mas isso tudo não quer dizer que Georgina não estivesse atuante — pelo contrário, ela continuou desenvolvendo diversas atividades e mantendo relações próximas com muitos dos personagens célebres da sociedade curitibana.
É sobre isso e outras coisas que trataremos na próxima edição do Lambrequim.