A Curitiba do início do século XX, como toda pequena cidade da época, tinha valores enraizados no patriarcado. Os bons costumes que uma moça deveria seguir eram, entre outros, assumir os afazeres do lar. Ser artista ou estudar estava longe dos planos das famílias.
É neste contexto que uma das maiores personalidades da história da arte paranaense viveu. Estou falando da maravilhosa artista Isolde Hötte Johann.
Mesmo sendo a protagonista de uma das mais belas trajetórias artísticas que de que temos registro, Isolde Hötte, como era conhecida, ficou à margem de uma sociedade que até hoje tende a esquecê-la e a não lhe dar seu devido valor.
A artista, nascida em 1902 em Curitiba, ainda na primeira infância começou a desenhar com crayon, pastel, aquarela e tinta a óleo. No entanto, para acompanhar outros artistas, seus contemporâneos, teve que travar uma verdadeira batalha com a família. A primeira delas foi aos 15 anos de idade.
Sem permissão para estudar nos ateliês (como todas as moças da época), Isolde convenceu sua família a contratar o célebre pintor Alfredo Andersen para ministrar aulas particulares a ela.
Outra batalha foi conseguir que o pai a levasse para a Alemanha. Em 1924, Isolde viaja à Europa para estudar na Academia de Artes Aplicadas do Museu de Berlim. Lá, foi aluna do pintor expressionista Emil Oerlik (1870 – 1932).
A experiência a aproxima das vanguardas europeias, que estavam em plena ebulição. Isolde não pretendia retornar ao Brasil, muito menos para uma cidade que ainda engatinhava culturalmente.
A única saída para continuar na Europa foi casar-se. Em setembro de 1925, ela se casa com o alemão Gustav Höpker, passando a viver em Hannover e dando continuidade aos seus estudos. No entanto, com a morte de seu pai e um casamento que não ia de vento em polpa, Isolde resolve retornar ao Brasil em 1928. Na bagagem, trouxe técnicas arrojadas de pintura e Franz Höpker, seu primeiro e único filho, com apenas 2 anos de idade.
Em uma dessas felizes coincidências que a vida nos proporciona, Isolde encontrou, no mesmo navio, Alfredo Andersen, que retornava da Noruega para o Brasil.
O divórcio oficial de Isolde e Gustav ocorreu somente em 1932.
Desanimada e cansada, Isolde passou a viver em reclusão – afinal, a sociedade não via com bons olhos uma mulher separada e com um filho. Além disso, depois de experienciar as vanguardas artísticas na Europa, encarar a Curitiba não deve ter sido nada fácil. Sem dúvida a mudança deve ter sido a causa de seu isolamento.
Foi preciso o incentivo do antigo mestre Andersen e de alguns poucos amigos para que Isolde continuasse a produzir. Foi quando passou a frequentar o ateliê de Lange de Morretes e conviver no mesmo círculo que Traple (1898 – 1958), Freyesleben (1899 – 1970) e Viaro (1897 – 1971). Algum tempo depois, assumiu a função de professora de artes no Colégio Progresso e montou seu próprio atelier, no sótão da casa do seu pai.
Isolde realizou sua primeira exposição em 1935, pouco depois da morte de Andersen. Nos anos seguintes, sua produção é contínua, participando de diversas exposições. No entanto, no início da década de 50, a artista começou a reclamar da mesmice nas artes paranaenses. Mas enquanto a arte paranaense passava por mudanças, Isolde se isolava ainda mais, não participando da renovação artística.
A artista passou a produzir obras em cerâmica, o que para seus pesquisadores foi apenas um desvio de rumo. Mudou-se para a cidade de Porto Alegre (RS) em 1958 e retornou à Curitiba apenas em 1985.
Com a idade chegando e a cegueira avançando, Isolde retomou os trabalhos com a pintura, arte que produziu até os últimos dias de vida, em 1994. Acredita-se que o desejo de retornar para a Europa nunca saiu de seu coração, mas as constantes crises europeias e as guerras, fizeram com que Isolde fosse ficando e ficando, da mesma forma que se isolou da sociedade.
Sem sombra de dúvidas, Isolde foi a maior pintora da história curitibana, mas o fato de ter nascido mulher em uma cidade provinciana ofuscou seu reconhecimento. Você pode conferir três obras da artista no Tour 360º do Museu Oscar Niemeyer.