Tenho certeza que se você nasceu antes dos anos 2000 deve ter pensado no detetive Axel Foley, o personagem fictício interpretado por Eddie Murphy, protagonista da série de filmes “Beverly Hills Cop” , ou, para nós brasileiros, “Um Tira da Pesada”.
Calma, não é bem isso. Na verdade, estamos falando de outro Foley — não o personagem, mas sim uma técnica específica muito usada no cinema. Aqui no Brasil, esse processo é mais conhecido, de modo geral e abrangente, como sonoplastia.
De forma muito resumida, o foley é a técnica de pós-produção sonora que recria e sincroniza efeitos sonoros “orgânicos” (passos, movimentos de objetos ou interações físicas) em sincronia com a ação visual de filmes, séries, games ou outras mídias.
Esses dias eu estava dando uma lida sobre o tema e encontrei algumas coisas bem interessantes que vou contar pra vocês agora.
Dos Teatros ao Digital
A prática de criar sons ao vivo para acompanhar narrativas remonta aos teatro, ou seja, a séculos e séculos de produção de dos mais diversos tipos de sonorização de uma encenação.
Lá no começo do século XX, com o rádio ganhando força e se popularizando, essas técnicas acabaram migrando para os estúdios. Só que, claro, tiveram que ser adaptadas. Afinal, o objetivo agora era outro: usar os sons para ajudar a contar histórias de um jeito ainda mais envolvente — e tudo isso só pelo áudio.
Naquela época, as emissoras usavam pessoas especializadas para criar os sons em tempo real durante as peças radiofônicas ao vivo.
O problema era que as gravações da época não davam conta de reproduzir efeitos sonoros na hora certa. Então, alguém tinha que estar ali, ao vivo, batendo, arrastando e quebrando coisas pra dar vida aos sons. Nessa reportagem da TV Sesc/Senac, você consegue assistir e entender como eram produzidas as radionovelas e, é claro, a sonoplastia.
Nos primeiros anos do cinema, as imagens se moviam na tela, mas o som… nem tanto. Os filmes mudos eram exibidos com acompanhamento musical ao vivo — um piano, um órgão ou até uma orquestra pequena — para dar emoção às cenas. Mas os diálogos, os passos, os tiros, os portões rangendo… tudo isso que parece comum nos dias de hoje era ausente.
Com o tempo, os cineastas perceberam que faltava algo. As cenas pareciam vazias sem os sons certos. Foi aí que começaram a surgir técnicas para preencher essa lacuna.
Em 1927, veio a grande sacada: o cinema falado. “The Jazz Singer”, da Warner, foi um dos primeiros filmes a incluir diálogos sincronizados. As produtoras correram para se adaptar e a Universal, uma das grandes concorrentes, não queria ficar para trás.
Foi nesse contexto que um outro Foley entrou para a história. Jack Donovan Foley (1891-1967) trabalhava na Universal desde 1914, ainda no tempo do cinema mudo, e tinha experiência justamente com áudio — algo raro na época. Com isso, acabou sendo chamado para integrar a equipe que daria voz e som ao filme “Show Boat”(1929).
E foi aí que nasceu uma das técnicas mais legais do cinema: projetar o filme e gravar os efeitos sonoros ao vivo, em sincronia com as cenas. Foley dominou esse método como ninguém, usando objetos simples para criar sons realistas.
Seus métodos foram tão eficazes que deram nome à profissão: hoje, quem faz esse tipo de trabalho é conhecido como artista de Foley.
Claro, as técnicas e tecnologias mudaram bastante. Hoje, os sons podem ser gravados separadamente e editados com precisão. Mesmo assim, muitos artistas ainda seguem o espírito original: criar sons reais com coisas simples, para dar vida às imagens.
Bom, talvez a forma mais conhecida — e também mais perceptível para o público geral — do uso do Foley esteja nos desenhos animados. Neles, os sons são usados de maneira enfática e criativa, quase sempre chamando atenção pro próprio efeito sonoro. É o clássico caso de um personagem caindo de uma altura e fazendo aquele “fiuuuuuuuuuu” no ar antes de bater no chão — algo que você nunca ouviria na vida real, mas que, no desenho, parece perfeito, hahahaha…
A abordagem lúdica e hiper-realista ajuda a dar ritmo, humor e personalidade às cenas. E muitas vezes, é justamente através desses sons que o público começa a perceber (mesmo sem saber) a presença do trabalho de Foley. Para finalizar, vou deixar aqui alguns links para vocês assistirem quando tiverem um tempo.
Jimmy MacDonald, fazendo os efeitos sonoros dos filmes da Disney ao vivo.
Uma apresentação ao vivo no Conservatório de Praga de uma esquete de Tom e Jerry.
Bônus: Lembra que eu falei lá no começo que estava lendo e pesquisando sobre Foley? Pois é, foi nessa busca que eu dei de cara com algo bem inesperado: episódios de um dos meus desenhos favoritos das manhãs de um tempo distante.
Estou falando de Wile E. Coyote & Road Runner, mais conhecido como Papa-Léguas. A série gira em torno do Coiote tentando, a todo custo, pegar o coelho mais rápido da serra — e claro, se dando mal em cada episódio. O Papa-Léguas aparece com aquele “bip-bip” clássico, passa por cima de todas as armadilhas mirabolantes e sai ileso, enquanto o Coiote vira a vítima das próprias ideias.
O curioso é que, mesmo sendo o “vilão”, muitas vezes eu acabava torcendo pelo Coiote. Talvez pela insistência, talvez pelo azar tão engraçado.
Os episódios que assisti são de 1954 a 1957, e além de serem ótimos exemplos de como o Foley funciona no desenho animado, me chamaram atenção por outro motivo: a qualidade de imagem. Assistindo hoje, dá pra perceber como as TVs da época tinham dificuldade em reproduzir esses desenhos com fidelidade. É tipo olhar pra trás e ver como a gente enxergava (e curtia) as coisas de um jeito bem diferente.