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O inútil essencial

Buscar. Filtrar. Encontrar. Com tantos algoritmos e feeds prontos para nos alimentar, pode parecer que a internet deixou de ser um espaço de encontros fortuitos e ao acaso — mas o fato é que estamos desaprendendo a procurar. Já percebeu como as buscas no Google e no YouTube têm retornado resultados cada vez mais rasos? Saímos irritados, sem resposta, e muitas vezes recorremos ao chat(GPT), sempre rápido e disponível para nos atender.

O que acontece quando substituímos a dieta intensa de feeds por distração e devaneio direcionados? A série, o filme, a HQ, o livro, a música, o jogo, o vídeo — qualquer mídia, de entretenimento ou não, mainstream ou cult — que relaxe e ao mesmo tempo mova a massa cinzenta. A proposta é simples: indicar opções que te ajudem a dizer mais nãos aos feeds e às notificações e mais sims à distração e à concentração.

Dept. Q

Série • 1 temporada • 9 episódios • Netflix

📺 Por que assistir? Pela combinação de humor inglês, personalidades marcantes de todos os personagens e sobreposição de plots narrativos — fazendo com que a atenção não fique concentrada apenas na investigação do caso principal da temporada, mas na busca por respostas a comportamentos dos personagens e pequenas lacunas relacionadas à plots secundários. Respostas como “quem é esse cara morando na mesma casa do personagem principal?” são dadas de forma casual no meio de uma conversa de alívio cômico, por exemplo.

🤔 Sobre o que é? Carl Mock é um daqueles personagens azedos que a gente ama. Ele trabalha como detetive no Departamento de Polícia de Edimburgo, e finge que não está processando o trauma de ter sido quase assassinado junto com seu parceiro, Jamie Hardy, e outro policial após um atirador os surpreender numa espécie de emboscada premeditada. Enquanto Jamie está se recuperando no hospital, Carl é “promovido” a chefe do Departamento Q, e recebe a incumbência de investigar crimes arquivados. Com a ajuda de Rose Dickson e Akram Salim, eles desarquivam o caso de Merrit Lingard, dada como desaparecida há quatro anos.

👀 No que prestar atenção? Na forma como a diversidade e as questões psicológicas são tratadas. Nas falas de Carl Mock. Nas perguntas que Akram Salim não responde.

Sereias

Minissérie • 5 episódios • Netflix

📺 Por que assistir? Para lembrar como nos deixamos facilmente enganar por estereótipos e aparências. É uma daquelas séries que qualquer piscar de olhos faz com que percamos a linha narrativa — aliás, uma narrativa bastante equilibrada entre momentos de crítica social, dramas familiares e alívios cômicos. O aparente contraste entre a vida e os comportamentos das irmãs Devon e Simone dá todo um tempero para a pergunta que paira ao longo da série: os personagens devem deixar ou permanecer na ilha (mtafórica) em que estão?

🤔 Sobre o que é? Depois de tentar falar sem sucesso com Simone DeWiit, sua irmã mais nova, Devon DeWitt viaja até a ilha onde Simone trabalha para contar que o pai delas, Bruce DeWitt, foi diagnosticado com Alzheimer. Devido ao histórico familiar conturbado, Devon precisa da presença de Simone para cuidar do pai — mas, ao chegar na ilha, ela se depara com o mundo dos bilionários, no qual sua irmã parece mais uma boneca Barbie que sofreu lavagem cerebral. Diante desse cenário, Devon faz tudo o que está ao seu alcance para tirar Simone desse mundo fictício — enquanto as tensões entre os personagens só aumentam.

👀 No que prestar atenção? Como as funções (arquétipos) dos personagens vão mudando ao longo da narrativa.

Somos animais poéticos

Livro • 192 páginas • Michèle Petit • Editora 34 • Compre aqui

📖 Por que ler? Para voltar a acreditar no poder do sonho, do lúdico, da narração, da desaceleração. Para silenciar, mesmo que temporariamente, as vozes (internas e externas) que não param de repetir que não podemos fazer nada enquanto o mundo acaba, as matas pegam fogo, as geleiras derretem e a direita aumenta seu poder. Para parar de se culpar por estar lendo um livro, produzindo arte ou escrevendo uma newsletter em horário comercial.

🤔 Sobre o que é? Livro composto por seis ensaios e três textos de apoio sobre o que Michèle Petit chama de “inútil essencial”: arte, livros, beleza, bibliotecas, sonhos, imaginação. A escrita da autora é tão leve que até parece que estamos lendo nuvens, das quais somos puxados o tempo inteiro não só para uma realidade possível, mas realizável, em que as sociedades sejam incentivadas a sonhar mais e produzir menos. A autora usa o poder da utopia para oprimir os discursos distópicos que nos desanimam dia sim, dia também.

👀 No que prestar atenção? Na atenção que ela dá às narrativas de exilados e refugiados. Nos momentos de arrebatamento que as palavras de Michèle Petit causarem em você — se possível, anote algumas dessas percepções. Às vezes tudo o que nos falta para enfrentar os dias é um pouco de sonho e deslumbramento.

Pensamos entre nós e o outro, criamos entre nós e o outro, em um diálogo. E a leitura e a cultura permitem que sejamos povoados no interior de nós mesmos graças aos sonhos dos outros que incorporamos, dos quais nos alimentamos. Ler, escrever, contemplar obras de arte, participar de uma oficina artística ou literária, é como caminhar na praia ou passear num jardim. Permite liberar o fluxo de nossos devaneios, reativar e acolher esse pensamento inventivo, encontrar essa conversa, esse diálogo inspirador (p. 154)


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