Enquanto bilionários impulsionam a corrida espacial com foguetes, explosões e contratempos, um novo capítulo da história está sendo escrito — e a Lua, nossa eterna companheira celeste, clama por proteção.
Em um movimento inédito, o World Monuments Fund (WMF) incluiu a Lua em sua lista bienal de patrimônios culturais ameaçados, equiparando sua preservação à de tesouros terrestres como as estátuas da Ilha de Páscoa ou as pirâmides do Egito.
Por que a Lua precisa de proteção?
A superfície lunar abriga aproximadamente 90 locais históricos, repletos de artefatos deixados por missões americanas e russas das décadas de 1960 e 1970. Entre eles, destaca-se o local de pouso da Apollo 11, onde Neil Armstrong e Buzz Aldrin deixaram as primeiras pegadas humanas fora da Terra em 1969.
Com o advento de novas missões espaciais, especialmente aquelas lideradas por empresas privadas, cresce a preocupação de que esses locais históricos possam ser comprometidos ou até destruídos.
“Imagine visitar Machu Picchu e deixar uma lata de refrigerante no topo das ruínas. É isso que queremos evitar na Lua”, explicou a porta-voz do WMF ao The New York Times (link anterior).
Embora existam iniciativas como os Acordos de Artemis — propostas pela NASA para cooperação internacional na exploração lunar —, as regulamentações atuais são consideradas insuficientes para garantir a proteção efetiva desses sítios históricos.
Especialistas apontam que o Tratado do Espaço Exterior de 1967, que rege as atividades espaciais, não prevê mecanismos claros para a preservação do patrimônio lunar, especialmente diante da crescente participação do setor privado na exploração espacial.
Recentemente a SpaceX viu seu foguete Starship explodir, espalhando detritos até nas ilhas Turks e Caicos, a Blue Origin adiou seu lançamento pela quinta vez em um mês. Ainda assim, o setor não desacelera. Dados revelam que o turismo espacial deve multiplicar seu valor por 40 vezes até 2033, alimentado por voos milionários e planos colonizadores.
Lua: mais que um satélite, um símbolo
Além de regular as marés e inspirar poetas, músicos, artistas em geral e ser o despertador natural de lobisomens e vampiros, a Lua desempenha um papel central em diversas culturas ao redor do mundo. Por exemplo, na mitologia japonesa, Tsukuyomi é reverenciado como o deus da Lua, irmão de Amaterasu, a deusa do Sol. Entre os incas do Peru, a Lua era adorada como a deusa Mama Quilla, considerada protetora das mulheres e responsável por regular o tempo. No Brasil, a tradição popular enxerga nas manchas lunares a figura de São Jorge montado em seu cavalo, enfrentando o dragão.
Proteger a Lua é preservar tanto sua geologia quanto as narrativas que, por milênios, a transformaram em um espelho da alma humana — onde mitos, sonhos e ciência se refletem juntos.
O WMF não sugere interromper a exploração espacial, mas enfatiza a necessidade de equilibrá-la com responsabilidade. Propõe-se a criação de “zonas protegidas” na Lua, semelhantes a parques nacionais na Terra, além do desenvolvimento de tecnologias de monitoramento remoto para assegurar a integridade desses locais históricos. A questão central permanece: como proteger um corpo celeste que não pertence a nenhuma nação específica, mas é patrimônio de toda a humanidade?
Curiosidade: Em 2020, a NASA divulgou novas diretrizes para prevenir a contaminação biológica durante missões humanas e robóticas na Lua e em Marte. Essas diretrizes, conhecidas como NASA Interim Directives (NID) 8715.128 e 8715.129, visam proteger locais históricos de pouso e evitar a introdução de organismos terrestres nesses corpos celestes. A implementação dessas medidas pode ser considerada um passo inicial em direção ao desenvolvimento de uma legislação interplanetária mais abrangente.