Vocês já devem ter percebido que esta coluna do Lambrequim é exclusivamente dedicada a resgatar e preservar a memória artística através da pesquisa documental.
Todavia, hoje abriremos uma exceção para falar de algo de suma importância — não apenas para nós pesquisadores, mas também para toda a humanidade: a digitalização de acervos no Brasil.
Bom, vamos por partes.
A ideia de escrever um artigo sobre o assunto surgiu quando nos deparamos com a personagem desta semana: Inocência Falce.
A professora e artista plástica que nasceu em Curitiba em 1899, é uma representante entre as centenas de dezenas de artistas (especialmente as mulheres) que têm em sua biografia algo muito comum.
Não, não é o fato dela ter sido aluna do professor Andersen, mas sim, o constrangedor fato de não possuir uma biografia documentada que ultrapasse meras quatro linhas de texto com fonte Times New Roman ou Arial, tamanho 12, margens direita e inferior, 2 cm; esquerda e superior, 3 cm e espaçamento 1,5 entre linhas.
ABNT a parte, é sabido que Inocência, iniciou seus estudos na cidade de Florença (ITA), e quando retornou ao Brasil, frequentou a Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro.
Entre os anos de 1930 e 1935, de volta a Curitiba, aperfeiçoou-se na pintura no ateliê de Andersen. Consta que sua produção artística era dedicada à representação de flores e temas da natureza.
Também parece ser consenso entre pesquisadores que grande parte de sua obra foi destruída em um incêndio (no transporte Santos-Curitiba?) e que esse seria o principal motivo para que a artista não alcançasse reconhecimento público.
O jornal Correio do Paraná (1932-1965), do dia 21 de dezembro de 1932, destacava com as seguintes palavras a obra de Inocência:
A artista também foi professora do Centro Paranaense de Cultura Feminina, além de outros centros artísticos.
Depois disso, há um abismo histórico-biográfico do que se tem registro digitalizado. Apenas algumas menções a seu nome aparecem, junto a tantos outros nomes de artistas que por aqui passaram e viveram.
No jornal O Dia (1923-1961), de 3 de outubro de 1954, em um texto que fala sobre o 7º Salão de Primavera, evento artístico que era realizado no Clube Concórdia, encontramos uma última informação sobre a artista:
Sobram lacunas, questionamentos e dúvidas. O que de fato aconteceu? A qual gesto o autor se refere? O início do texto é uma metáfora? Inocência Falce decidiu se afastar do público tal qual Isolde Hötte?
Inocência Falce faleceu em 1984.
Podemos observar que, no caso deste texto específico, nossa pesquisa ficou obviamente reduzida apenas aos acervos digitalizados.
Devido a pandemia que se alastra de vento em polpa, com bandeiras laranjas, vermelhas e amarelas, que revelam a vontade dos governantes que tenhamos uma eterna acromatopsia, ficamos impossibilitados de fazer uma pesquisa mais abrangente e desta forma produzir uma coluna com toda a qualidade que você merece.
Dito isto, torna-se evidente que os meios, fontes e técnicas de pesquisa, de preservação e conservação da memória nos dias atuais, passam pela necessidade de uma priorização da digitalização dos acervos, não apenas documentais, mas também de todo o patrimônio material e imaterial.
A pandemia evidenciou ainda mais essa necessidade. Museus e bibliotecas espalhados pelo país correm até hoje para digitalizar seus acervos e possibilitar que a população tenha acesso e realize visitas de forma remota (dê um Google!).
Essa ideia não é nova. A iniciativa já remonta ao longínquo ano de 1992, quando a Unesco criou o projeto Registo da Memória do Mundo.
Permitir este tipo de acesso é algo trabalhoso e o Brasil está um pouco defasado em relação a outros países no mundo. Além disso, existem alguns outros fatores complicantes com relação aos acervos: os direitos autorais e os ataques cibernéticos.
Até aqui, traçamos um breve panorama sobre o assunto e devemos ressaltar que uma necessidade não exclui a outra, ou seja, é preciso também salvaguardar nosso patrimônio artístico-cultural analógico de forma eficaz.
Para finalizar, elaboramos o infográfico abaixo, que traz informações importantes sobre algumas das funções de um acervo digital apresentadas na dissertação “Dimensões Analísticas para uma Política de Acervos Culturais em Rede” de Calíope Victor Spíndola de Miranda.