Nesta semana, a DeepSeek, uma startup chinesa sediada em Hangzhou, lançou o DeepSeek-R1, um modelo de inteligência artificial de código aberto. Desenvolvido com uma fração dos recursos tradicionalmente utilizados, o modelo rivaliza com as líderes de mercado e está disponível “gratuitamente” para a comunidade global.
O efeito imediato foi sentido nas bolsas de valores globais. Gigantes da tecnologia, como Nvidia, Microsoft e Alphabet (controladora do Google), registraram quedas significativas em suas ações. A Nvidia, por exemplo, viu seu valor de mercado encolher em impressionantes US$ 589 bilhões, uma das maiores perdas já registradas na história do mercado americano.
Essas perdas indicam que o mercado está reconhecendo as limitações e o excesso de hype em torno de algumas tecnologias de IA. O lançamento do DeepSeek-R1 trouxe à tona debates sobre a viabilidade e sustentabilidade dos modelos atuais.
O que torna o DeepSeek-R1 particularmente “disruptivo” é sua natureza de código aberto. Ao disponibilizar seu modelo para que qualquer pessoa com acesso a um computador e internet possa acessar, modificar e aprimorar, a empresa desafia o paradigma tradicional das grandes corporações que mantêm suas tecnologias proprietárias sob rígido controle.
Um dos aspectos que mais se destacam, de acordo com os especialistas, é sua eficiência. Enquanto modelos concorrentes exigem investimentos massivos em infraestrutura e hardware avançado, a DeepSeek conseguiu treinar seu modelo com um custo estimado em US$ 5,6 milhões, utilizando cerca de 2.000 chips especializados. Isso contrasta com os bilhões de dólares gastos por empresas como a OpenAI.
Continua Nem Inteligente, Nem Artificial
O neurocientista Miguel Nicolelis expressou seu ceticismo em relação ao verdadeiro potencial dessas tecnologias e alertou para uma possível “explosão da bolha” no setor. Em uma série de publicações no ex-Twitter, ele afirmou:
“A explosão da bolha da dita IA, prevista desde a minha primeira coluna na @CNNBrasil em agosto de 2024, pode estar acontecendo neste momento! Finalmente o mercado se deu conta de que não são só os LLMs que alucinam, mas principalmente a vasta maioria dos seus Evangelistas!”
Nicolelis sugere que tanto os Modelos de Linguagem de Grande Escala (LLMs) quanto seus defensores estão enfrentando um momento de descrédito, uma vez que, esses modelos atingiram um limite em seu desenvolvimento e que as expectativas em torno deles foram inflacionadas de maneira irrealista. Em resposta a um usuário que mencionou a evolução dos modelos, Nicolelis comentou:
“Evoluindo em círculos porque os LLMs bateram no teto e, mesmo com as inovações da DeepSeek, não estão mostrando crescimento exponencial de performance. Sorry!! Continua Nem Inteligente, Nem Artificial, mas agora com o bumbum exposto! Good luck trying to sell bridges to nowhere! :)”
Nicolelis destaca que a chamada Inteligência Artificial Geral (AGI) “é pura conversa pra boi dormir” e que os mecanismos da inteligência humana ainda são pouco compreendidos, sendo fundamentalmente diferentes dos processos digitais utilizados pela IA.
“A Singularidade está claramente aqui! Mas não a BS de Kurzweil. Isso nunca vai acontecer. Em vez disso, a Singularidade da IA chegou! A bolha estourou e, de repente, todos aqueles falsos Profetas ‘AGI-está-próximo’ que queimaram centenas de bilhões podem ter que se tornar Inteligentes muito rapidamente.”
Uma lapada tecnológica
A ascensão meteórica da DeepSeek é uma questão geopolítica. O lançamento global do DeepSeek-R1 ocorreu em um momento significativo: a posse de Donald Trump para seu segundo mandato como presidente dos Estados Unidos, uma coincidência temporal?
Pouco provável. Na verdade, a introdução do DeepSeek-R1 pode ser interpretada como uma jogada estratégica da China para afirmar sua posição de liderança tecnológica. Ao lançar essa tecnologia precisamente na semana da posse de Trump, a China envia uma mensagem clara sobre sua capacidade tecnológica e sua disposição em competir diretamente com os Estados Unidos em diferentes campos, inclusive no campo da inteligência artificial.
Simultaneamente, o presidente Trump tem implementado uma série de políticas que reforçam sua agenda nacionalista e isolacionista. Entre elas, destacam-se:
- Renomear o Golfo do México para “Golfo da América” nos mapas do Google é uma medida simbólica que visa afirmar a soberania dos EUA sobre a região. No entanto, essa ação tem sido criticada por ignorar a história e a geografia estabelecidas, além de potencialmente gerar tensões diplomáticas com os países vizinhos que compartilham o golfo. Especialistas apontam que tal medida pode ser vista como uma tentativa de reescrever a narrativa geopolítica em favor dos interesses americanos, desconsiderando a complexidade das relações regionais.
- Desde sua posse, a administração Trump intensificou as políticas de deportação de imigrantes. Essa abordagem tem sido amplamente criticada por organizações de direitos humanos, que argumentam que as deportações em massa desconsideram as circunstâncias individuais dos migrantes e podem colocá-los em situações de perigo em seus países de origem. Além disso, essa política pode deteriorar as relações dos EUA com nações latino-americanas, que veem essas ações como desrespeitosas e prejudiciais. Vide a carta aberta de Petro, presidente da Colômbia.
- A tentativa de anexação da Groenlândia é uma demonstração clara das ambições expansionistas da administração Trump. Embora a Groenlândia seja uma região estratégica devido aos seus recursos naturais e posição geográfica, a ideia de anexação tem sido amplamente rejeitada pela comunidade internacional e pelo próprio governo dinamarquês, ao qual a Groenlândia está vinculada. Essa iniciativa é vista como uma violação do direito internacional e uma afronta à soberania de outros países.
Essas ações refletem uma postura de distanciamento em relação a acordos e normas internacionais. No entanto, enquanto Trump busca fortalecer a posição dos Estados Unidos por meio de políticas internas e alianças com grandes empresas de tecnologia, como Elon Musk, Mark Zuckerberg e Jeff Bezos, a China avança no cenário global. O lançamento do DeepSeek-R1 exemplifica essa dinâmica, uma verdadeira lapada tecnológica.
Como era o meme mesmo? Ah, “craque do jogo”.