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Jogos olímpicos de escrita: treino, bloqueio e autocompetição

Duas semanas em que os melhores do mundo desfilam diante dos nossos olhos, atravessam nossos ouvidos, invadem nossas timelines. Esportistas de alto nível, que (como somos constantemente lembrados) dedicam oito ou mais horas por dia treinando para chegar onde chegaram. Eles estão no topo e nós, com razão, os admiramos.

O Menin passa os dias assistindo aos jogos enquanto eu, por osmose, acompanho uma ou outra competição imaginando quais foram as condições que levaram aqueles atletas até ali. Resiliência, teimosia, oportunidade, sorte, escolhas, processos. Treino, sem dúvida muito treino.

Arte e esporte têm muito em comum — ainda mais no Brasil, com a coincidência de recursos escassos para ambos. Equilíbrio entre racional e emocional, conhecimento técnico e criatividade, anos de trabalho para entregar segundos de emoção — e o holofote que talvez seja lançado uma única vez, em um curto período de tempo: a chance efêmera para provar o próprio valor.

Assim como atletas que se destacam têm algo de artistas, gosto de pensar que artistas que se destacam têm algo de atletas. Na interseção desses conjuntos, partilham a constante do cair, levantar e tentar de novo, quantas vezes forem necessárias.

Mas o que acontece com um atleta que não consegue mais treinar porque tem medo de obter um resultado ruim? Ou por temer o julgamento dos outros?

Depois de muita investigação e uma dose de admiração pelos atletas olímpicos, descobri que não consigo mais treinar como antes — ou melhor, escrever.

Em outras palavras: estou bloqueada.

Estranho pensar em mim mesma sofrendo de bloqueio de escritora, porque não é como se eu tivesse parado de escrever. Mas o fato é que o bloqueio não tem nada a ver com produtividade, e sim com a reação ao que escrevemos (ou deixamos de escrever). Hoje, por exemplo, sou incapaz de escrever qualquer texto ficcional ou literário, mas não por falta de ideias ou de habilidade: eu simplesmente travo a cada tentativa, só pelo medo de uma possível frustração.

O que causa um bloqueio criativo?

Nos anos 1970 e 1980, os psicólogos Jerome Singer e Michael Barrios conduziram um estudo na Universidade de Yale para investigar se o bloqueio criativo tinha alguma causa psicológica. Depois de reunir grupos de escritores de diversas áreas, como jornalistas, roteiristas e ficcionistas, que se diziam bloqueados há mais de três meses, eles descobriram que existem quatro causas principais para a incapacidade de escrever aquilo que se deseja:

✍🏻 Sentir-se limitado e bloqueado criativamente pelas “regras” da escrita.
✍🏻 Buscar por validação externa e atenção através da escrita, e ficar desapontado e irritado se não conseguir isso.
✍🏻 Sentir-se insuficiente e paralisado pela autocrítica.
✍🏻 Sentir medo de ter sua escrita comparada com o trabalho dos outros.

Pode parecer bastante óbvio (afinal, quem nunca?), mas basta um olhar mais atento para concluir que, a depender do trauma, pode dar muito trabalho ressignificar esses sentimentos. Assim como o ato criativo, os traumas e travas podem se apresentar, em um primeiro momento, inexplicáveis.

Técnicas para superar bloqueios momentâneos

Quando o bloqueio é momentâneo, existem algumas técnicas que podem ser aplicadas, como indicadas no site da Universidade de Illinois:

🌸 Divida seu projeto de escrita em partes gerenciáveis. Por exemplo, você pode definir um temporizador para um determinado número de minutos e “não fazer nada além de escrever” durante esse tempo. Faça pausas revigorantes entre as sessões.

🌸 Elimine distrações. Por exemplo, você pode desativar o acesso à internet enquanto escreve.

🌸 Não se prenda ao perfeccionismo ao escrever um primeiro rascunho; lembre-se de que o rascunho não precisa ser perfeito, ou mesmo bom.

🌸 Encontre um ambiente físico e uma hora do dia em que você se sinta mais inspirado e criativo, e crie o hábito de escrever nesse local e horário.

🌸 Estabeleça um ritual em torno da sua escrita. Por exemplo, você pode ouvir uma música específica ou tomar uma bebida quando for escrever.

🌸 Faça algo calmante (medite, alongue-se) antes de começar a escrever, para aliviar qualquer ansiedade que você sinta.

O problema dessas técnicas é que elas são meramente comportamentais e não exploram a raiz do bloqueio. Se a sua questão for a busca por validação externa, como é o meu caso, ter um ritual de escrita pode te fazer começar a escrever, mas não te ajudará a seguir em frente se o seu trabalho não receber a validação esperada.

O bloqueio criativo está por todo o corpo

Um artigo do site Writers.com escrito por Frederick Meyer traz uma reflexão mais aprofundada: o bloqueio não é sentido apenas na nossa cabeça, mas sim pelo corpo todo. Ou seja, todas as sensações corpóreas experimentadas no momento do bloqueio precisam ser percebidas e trazidas para a mente consciente.

Atletas de alto nível, como ginastas, mergulhadores e lutadores de artes marciais, precisam desenvolver a propriocepção: a habilidade do corpo de sentir sua posição e movimento mesmo sem referências visuais. Quando a propriocepção falha, podem acontecer um fenômeno chamado “twisties”: um bloqueio mental que desconecta a mente e o corpo do atleta, e que pode ser muito perigoso para as ginastas quando estão no ar, por exemplo.

Quem escreve pode passar muitas horas sentado, lendo e escrevendo, sem se dar conta do quanto está se desconectando das sensações mais primárias do próprio corpo. Quando percebe, já está prostrado no chão, sem entender como foi incapaz de dar a tão almejada pirueta com as palavras.

O que quero dizer é que, se nós escritores temos algo a aprender com os atletas é que somos mais do que racionalidade e emoção: nós somos corpo e movimento. Sentir vai da raiz do cabelo até o dedão do pé, atravessando nossa pele e nossas entranhas. Para Rick Rubin, quando entramos no estado de êxtase criativo, temos “uma reação visceral, centrada no corpo”. Então, se tem algo que nos impede de sermos absorvidos pelo que estamos produzindo, esse algo com certeza está passando pelo nosso corpo agora.

Assim como os atletas, artistas também competem — mas Rubin nos lembra como colocar a competição no lugar certo. Para ele, a arte nunca compete, só soma. Quando admiramos uma obra e buscamos fazer algo melhor, estamos realizando uma contribuição para a arte. Assim, o que vivemos é uma autocompetição cuja busca é a evolução ao invés da mera vitória.

Competir consigo mesmo faz todo sentido quando pensamos que a dedicação a qualquer expressão artística (assim como a qualquer esporte) exige a constante superação de limites. Nem sempre esses limites são parte da nossa experiência consciente e, por isso mesmo, é impossível saber quais comportamentos os regulam antes de superar os limites visíveis.

Se por um acaso você ficou confuso sobre o meu bloqueio de escritora depois dessa longa Cisma, vale um lembrete: assim como os processos, os bloqueios criativos podem assumir várias formas. O meu bloqueio está relacionado a escrita que mais quero fazer, a ficcional, e exatamente por querer tanto praticá-la, não consigo começar.

Por isso, se você está em dúvida se está ou não com um bloqueio criativo, uma dica: o que a gente sufoca não nos leva a lugar algum. O que nos transporta de fato para outros lugares é ser louco o suficiente para se deixar sentir.


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