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José Nogueira dos Santos, o inventor do Politon

Na edição passada, falamos sobre o instrumento Politon, inventado e enterrado na capital paranaense. O instrumento, meio de sopro, meio de cordas, segue até hoje como um mistério — assim como parte da vida do seu inventor.

Nascido em Palmeira (PR) em 2 de outubro de 1870, os primeiros anos da vida de José Nogueira dos Santos são, até o momento, desconhecidos. Aos 28 anos, na cidade de Paranaguá (PR), solicita na Junta Comercial o registro de seu título de nomeação de guarda-livros (como eram chamados os trabalhadores das ciências contábeis antes do processo de digitalização dos serviços ou quase digitalização!) da firma Camargo & Companhia. 

No ano de 1906, José era vice-presidente da Associação Paranaguaense dos Empregados no Commercio (sociedade que possuía uma banda de música), ano em que recebeu o título de sócio correspondente de uma associação de nome homônimo da cidade de Porto Alegre (RS). José era o então guarda-livros da casa Mathias Bohn & Companhia. 

É provável que José tenha feito viagens de ida e volta para Palmeira. No ano de 1890, havia sido designado pelo governador do estado, para realizar em conjunto com outros 2 cidadãos a comissão censitária da cidade de Palmeira. Já na sociedade parnanguara, em 4 de maio de 1901, José participa como secretário adjunto de uma eleição ocorrida na loja maçônica Perseverança. 

Cinco anos depois seu nome aparece como capitão da 2ª companhia do 8ª batalhão de infantaria da então comarca de Paranaguá. Ou seria outro José Nogueira dos Santos? Se é outra pessoa com o mesmo nome, o fato é que não temos mais notícias de (o) José militar. Nos permitindo um exercício de imaginação, é bem possível que José tenha servido no exército parnanguara — afinal o Paraná, à época, era palco de uma série de batalhas como a Revolução Federalista e a Guerra do Contestado, por exemplo. 

Dúvidas à parte, é na cidade de Curitiba (PR) que José passará a maior parte de sua vida. Casado com Maria da Luz Pinto desde 1896, o casal teve nada menos que 9 filhos (5 meninas e 4 meninos).  

Na capital do estado do Paraná, desde ano de 1910, lecionou no Instituto Comercial do Paraná, sendo nomeado precisamente no dia 9 de maio, assumindo o cargo de “Arithmetica, escripturação mercantil e redacção commercial”. Nos anos seguintes, foi mesário em diversas eleições municipais e estaduais realizadas na capital. 

Em 13 de julho de 1913, José ingressou na Federação Espírita do Paraná (FEP) atuando como delegado do Centro Espírita Paz e Luz, de Paranaguá. Dois anos depois, foi eleito presidente da mesma entidade. Muito provavelmente, foi onde conheceu os seus amigos Arthur Lins de Vasconcellos (1891-1952) e Flávio Ferreira da Luz (1887-1954), com quem compôs os quadros da direção da FEP. 

José foi, ainda, diretor do núcleo central e membro de comissões da instituição, onde também exerceu a direção das Escolas Elementares e das Escolas de Doutrina. Foi durante a sua gestão como presidente da FEP que assinou a escritura de compra do terreno onde foi construído o Sanatório Bom Retiro (depois, Hospital Espírita de Psiquiatria Bom Retiro, hoje no localizado bairro Jardim Botânico). 

Mesmo possuindo reputação ilibada, em 1925 José teria sido alvo de perseguição religiosa por conta de sua vertente religiosa. Quem nos conta é o próprio José em carta publicada no jornal O Dia na data de 3 de novembro de 1925.   

Carta publicada no jornal O Dia (1923-1961)

As questões em torno da exoneração de José, prosseguiram nas edições posteriores do jornal O Dia, com publicações tanto daqueles que defendiam o seu afastamento do cargo (anônimos), quanto dos que prestavam depoimentos públicos e assinados como testemunhas em defesa do professor. 

Carta publicada em 5 de novembro de 1925 no jornal O Dia (1923-1961)  

Mas já não havia o que ser feito. Exonerado, foi a partir desse momento que José passou a dedicar-se exclusivamente às atividades da FEP, sendo um dos membros mais atuantes do Grêmio Cultures do Bem, vinculado à instituição. Nota-se nas publicações jornalísticas que esse Grêmio, em eventos beneficentes, apresentava ao público pequenos saraus lítero-musicais. 

É quando também dedica-se mais efetivamente à música, às suas invenções e também à literatura, mesmo que estas não fossem suas atividades principais — isto porque, fora os atributos de sua função, era, na maioria das vezes, o orador oficial das diversas reuniões realizadas nas ações da FEP.  

Neste ínterim, escreve um manual de estenografia e elabora os esboços de seu instrumento musical. Com este em mãos, dirigiu-se até a fábrica de Pianos Essenfelder, localizada até então na antiga Estrada da Graciosa, no bairro Bacacheri, para solicitar a confecção do Politon. 

Destarte, é sabido que o Politon não vingou. Em nossa pesquisa, encontramos um texto redigido por Narciso Vicente de Castro publicado no jornal Diário da Tarde (1899-1983), no dia 11 de dezembro de 1952, no qual descreve sua frustração sobre o fato de nunca ter ouvido falar de José e o Politon, bem como sobre o fato do instrumento não ter sido reconhecido como deveria, em sua visão. 

Segundo Castro, o invento legitimamente paranaense “não teve o mínimo valor” devido aos conterrâneos estarem ocupados em enriquecer rapidamente, com a política e as disputas materiais. Ainda segundo Castro, tendo surgido em qualquer outro País, seria um “esplêndido sucesso”, alerta ainda para o fato de que alguém “mais endinheirado, mais egoísta” no futuro fizesse a quebra de patente do instrumento. 

Segue ainda dizendo que: 

“Se o invento fosse paulista, de há muito estaria adotado oficialmente nos salões e nas escolas, nos quartéis e nas retretas; talvez já culminasse na cinematografia e no rádio. 

Sendo exclusivamente nosso, apenas recebeu aplausos em antiga exibição no Clube Curitibano e depois retornou à obscuridade, como tudo o que é nobre, quando incompreendido, como tudo o que é nascido da dignidade e sente vergonha de descer a cabotinismo, à propaganda espalhafatosa, ainda que seja isso exigido para a sua sobrevivência”. (Diário da Tarde, 1952, p. 4) 

Não podemos deixar de concordar com alguns dos apontamentos feitos por Castro. Se até os dias de hoje, Curitiba é conhecida como uma cidade “fechada” socialmente, uma bolha com personagens que dificilmente despontam no cenário nacional, tente imaginar como foi para José ver seu invento cair em esquecimento completo, após todo seu esforço. 

Alguns meses antes da publicação do texto de Castro, José havia lançado um livro de poesias chamado Vigílias. Possivelmente foi como Castro conheceu a história  de José. Sobre o livro, uma resenha da comissão de bibliografia do Centro de Letras do Paraná foi publicada no jornal O Dia em 22 de junho de 1952, o qual tece uma série de elogios ao autor da obra. Outra resenha é publicada no mesmo jornal em 19 de fevereiro de 1953. 

Aos 85 anos, José decide doar uma coleção de mais de 200 obras (entre partituras, livros, obras didáticas, etc.) para a EMBAP. Um ano após a doação, especificamente no dia 24 de julho de 1956, José veio a falecer. 

Um resgate ao Politon

Em 2016, o atual prefeito de Curitiba, Rafael Valdomiro Greca de Macedo, lançou, através da Lei Rouanet, um livro de histórias e memórias sobre a capital paranaense. O livro possui um conteúdo muito rico, com textos e imagens pertencentes a acervos diversos. Foi realizando a leitura do livro que nos deparamos com o texto “Música na cidade do Politon”, que pelo título já chama muito a atenção. 

O texto, que obviamente trata da história e das memórias da música curitibana, começa com as lembranças de Greca em torno de um instrumento musical chamado Politon. 

Entretanto, a pesquisa realizada por Gehad Ismail Hajar, conhecido pesquisador do campo das artes e cultura curitibana; Guilherme Klock, pesquisador assistente do livro; e pelo próprio Greca, credita a criação do Politon à Dario Nogueira dos Santos, um dos filhos de José Nogueira dos Santos — fato este que é equivocado, como você pode comprovar na leitura desta coluna.  

Conforme percebemos, escrever a história e seus personagens requer cuidado, estudo, revisão de fontes — ou seja, muita pesquisa. Os apontamentos e as correções apresentados neste texto, bem como todas as matérias já publicadas nesta coluna, não esgotam novas publicações e correções; pelo contrário, tem como objetivo contribuir na preservação, conservação e resgate de personagens que ajudaram na formação da cultura brasileira, em especial a paranaense e a curitibana. 

Para finalizar, seguindo os objetivos apresentados, bem como auxiliar na elaboração de futuras pesquisas, esboçamos a seguinte árvore genealógica. 


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