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Mas afinal, o que é Regulamentação da Mídia? (uma análise da PL 2630)

Ontem, fizemos a cobertura da tramitação do Projeto de Lei n° 2630/2020, que estabelece normas relacionadas à transparência em redes sociais e serviços de mensagens privadas. O objetivo é aumentar a responsabilidade dos provedores na luta contra a desinformação e aumentar a transparência na internet. 

O PL também prevê maior transparência em relação a conteúdos patrocinados e a atuação do poder público, além de estabelecer sanções para o descumprimento da lei.

Após um dia repleto de discussões, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), adiou a votação do projeto que é mais conhecido como lei das fake news. A decisão foi tomada após pedido do relator da proposta, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), e consulta dos líderes partidários.

Caso você esteja por fora, no começo da semana as chamadas big techs (Google, Twitter, Facebook, YouTube, e TikTok) passaram a atacar de forma deliberada, usando impulsionamento de posts e publicação de matérias para propagar apenas conteúdos contrários ao projeto, ou seja, é o maior lobby do capitalismo já visto por essas bandas. 

Google e outras plataformas fazem de tudo para barrar a PL. 

Com isso, a rede de articulação de extrema direita começou a disseminar diversas notícias falsas e a distorcer informações sobre o PL em questão em poucas horas. 

A regulamentação das redes é um assunto mundial

A lei alemã NetzDG, serviu de modelo para o PL das Fake News no Brasil. Instituída em 2017, a lei alemã estabeleceu a obrigação da remoção de conteúdos falsos em até 24 horas, previu multas de até 50 milhões de euros por descumprimento e criou canais de denúncia. A lei alemã tem como alvo redes sociais com mais de 2 milhões de usuários na Alemanha e tem como principal motivação o combate à divulgação online de conteúdo extremista. 

Em 2021, uma emenda foi adicionada à lei, obrigando as redes a reportarem conteúdo específicos ilegais para a polícia federal alemã. O Facebook foi multado pelas autoridades alemãs em 2 milhões de euros por subnotificar denúncias sobre conteúdo ilegal. Desde então, as redes têm que comunicar as autoridades sobre conteúdos que põem em perigo o Estado Democrático de Direito, atentam contra a ordem pública, incluem pornografia infantil ou constituem ameaça à vida, à autodeterminação sexual ou à integridade pessoal.

A Comissão Europeia aprovou a Lei de Serviços Digitais (Digital Services Act – DSA) em abril de 2022, estabelecendo regras mais restritivas para empresas de tecnologia com mais de 45 milhões de usuários, consideradas grandes plataformas. 

Essas empresas devem enviar relatórios comprovando ter moderadores suficientes para evitar a disseminação de fake news, além de abrir seus algoritmos para mostrar como definem qual conteúdo aparece primeiro para o usuário. Caso descumpram as regras, as grandes plataformas podem ser penalizadas com multas de até 6% da receita da empresa, mudanças nos algoritmos, de acordo com a determinação da União Europeia, e até mesmo a proibição de operar na Europa.

Mas afinal, o que é Regulamentação da Mídia? 

A liberdade de imprensa é um direito fundamental, mas não é ilimitada. A regulação da mídia é a maneira pela qual governos podem estabelecer normas e regras para garantir que esse direito seja exercido de forma ética e responsável. No entanto, a forma como isso é feito varia amplamente entre os países e regimes políticos.

Um exemplo notável é o caso da Inglaterra, onde o escândalo das escutas telefônicas levou a uma regulamentação rigorosa da mídia. Embora tenha sido controversa, essa medida ajudou a garantir a ética jornalística e a proteger os cidadãos de práticas ilegais.

Em outros países, como a Venezuela, a regulação da mídia pode ter um tom mais restritivo, o que limita a liberdade de expressão. No entanto, alguns defensores do regime argumentam que as redes de informação comunitárias foram ampliadas graças a essas medidas.

Nos Estados Unidos, por sua vez, a regulação da mídia é feita por meio de agências reguladoras que concedem licenças para operação de canais de TV e rádio. Embora não haja uma lei específica sobre o tema, existem restrições econômicas, como a proibição de um proprietário de emissora possuir um jornal na mesma cidade. As ações dessas agências são monitoradas pelo Congresso.

Além disso, organizações internacionais, como o Observatório Global de Meios de Comunicação, têm a missão de fiscalizar a liberdade da mídia em todo o mundo e garantir que as regras sejam aplicadas de forma justa e equilibrada.

Entendendo o PL 

As informações a seguir foram extraídas da Agência Câmara de Notícias.

O Projeto de Lei 2630/20 visa combater a disseminação de conteúdos falsos nas mídias sociais e serviços de mensagens privadas com mais de 2 milhões de usuários, incluindo empresas estrangeiras que oferecem serviços ao público brasileiro. 

Para isso, os provedores de redes sociais e serviços de mensagens devem proibir contas falsas que enganam o público, exceto em casos de conteúdo humorístico ou paródia, e adotar políticas que limitem o número de contas controladas pelo mesmo usuário. Em caso de denúncia ou aplicação de medida por conta da Lei, os usuários devem ser notificados, exceto em situações específicas, e o usuário terá direito de recorrer da decisão de remoção de conteúdo ou contas, enquanto o ofendido terá direito de resposta na mesma medida e alcance do conteúdo considerado inadequado.

O projeto também propõe a alteração da Lei 10.703/03 para incluir procedimentos de verificação da veracidade dos números de CPF e CNPJ utilizados na ativação de chips pré-pagos. Desta forma, o projeto prevê a criação da Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet e estabelece limitações no número de envios de mensagens para usuários e grupos, controle do número de membros por grupo e verificação da autorização do usuário para inclusão em grupos, além da suspensão de contas de usuários de serviços vinculados a números de celulares que tiveram os contratos encerrados pelas operadoras ou pelo consumidor. 

O projeto de lei propõe a obrigatoriedade de identificação de todo conteúdo pago nas redes sociais, incluindo a conta responsável, além de disponibilizar ao público todo o conjunto de anúncios feitos, incluindo o valor total gasto, em caso de impulsionamento de propaganda eleitoral ou conteúdo que mencione candidatos, partidos ou coligações, para fins de verificação pela Justiça Eleitoral. 

As contas de agentes políticos são consideradas de interesse público e não podem restringir o acesso de outras contas às suas publicações, e as entidades e órgãos da administração pública devem publicar dados sobre a contratação de serviços de publicidade ou impulsionamento de conteúdo na internet. 

O projeto também propõe a criação do Conselho de Transparência e Responsabilidade na Internet, com participação de representantes do poder público, sociedade civil, academia e setor privado, além de estabelecer regras para empresas de redes sociais e serviços de mensagem privada, que deverão produzir relatórios trimestrais de transparência e poderão criar uma instituição de autorregulação. Aqueles que não cumprirem as medidas ficarão sujeitos à advertência e multa, cujos valores arrecadados serão destinados ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação.

Depois de estar em discussão por três anos, o projeto ganhou destaque recentemente após os ataques golpistas de 8 de janeiro e os ataques a escolas em São Paulo e Blumenau. 

Goooooooooooooogle

O Google, temendo perder seu monopólio na distribuição de conteúdo e informações após várias derrotas tecnológicas, entrou na discussão sobre a PL e disponibilizou em sua página principal um link para um texto crítico à proposta.

Pouco antes das 14h de ontem o Google removeu o anúncio.

 Segundo a empresa, o atual texto do projeto de lei 2630:

Acaba protegendo quem produz desinformação.

Entretanto, o PL não favorece quem produz desinformação, mas sim permite que a remoção de conteúdo seja realizada apenas mediante decisão judicial, o que pode garantir um equilíbrio entre o combate à desinformação e a proteção da liberdade de expressão. Além disso, o PL não “blinda” a remoção de conteúdo produzido por “qualquer empresa constituída no Brasil para fins jornalísticos”, mas sim exige que a remoção de conteúdo jornalístico com afirmações falsas, como “A vacina de Covid-19 irá modificar o DNA dos seres humanos”, seja realizada mediante decisão judicial.

Sobre o dispositivo que exige que as plataformas paguem por conteúdo, é importante lembrar que isso já é uma prática comum em outros países e pode ajudar a valorizar o trabalho dos veículos de comunicação e jornalistas. Além disso, o PL não exige que as plataformas paguem por conteúdo controverso ou que distorça fatos, mas sim por conteúdo jornalístico de interesse público.

Coloca em risco o acesso e a distribuição gratuita de conteúdo na Internet

O texto apresenta um argumento fraco e que não condiz com as práticas previstas no PL 2630. De acordo com a proposta de lei, seu objetivo é proteger os direitos autorais dos criadores, assegurando que sejam devidamente compensados pelo uso de seu trabalho. Embora a medida possa ter alguns efeitos colaterais, a proteção da propriedade intelectual é uma preocupação válida que deve ser equilibrada com a liberdade de compartilhamento de conteúdo. Quando as pessoas compartilham conteúdo que não é de sua autoria, elas violam os direitos autorais de outras pessoas, o que pode prejudicar a capacidade dos autores de controlar como seus trabalhos são usados e, consequentemente, afetar sua capacidade de ganhar a vida com seu trabalho.

Dá amplos poderes a um órgão governamental para decidir o que os brasileiros podem ver na internet

O projeto de lei visa regulamentar a atuação das plataformas na internet e proteger os direitos dos usuários e criadores de conteúdo, sem limitar a liberdade de expressão ou o livre fluxo de informações. Além disso, o protocolo de segurança mencionado no texto se refere à criação de mecanismos para garantir a transparência e responsabilidade das plataformas, e não à censura ou controle de conteúdo.

Traz sérias ameaças à liberdade de expressão

A proposta busca garantir a segurança dos usuários da internet e combater as fake news, que têm se proliferado e causado danos à sociedade. Além disso, é importante ressaltar que as empresas de tecnologia têm um papel importante na moderação de conteúdo, já que são responsáveis por garantir que as plataformas sejam um ambiente seguro e saudável para seus usuários. O dever de cuidado previsto no PL 2630 é uma forma de assegurar que as empresas cumpram sua responsabilidade social e ajudem a combater a disseminação de informações falsas.

Prejudica empresas e anunciantes brasileiros

Outro argumento fraco e que não leva em consideração os impactos negativos que a falta de transparência na publicidade online pode trazer. A medida prevista no projeto de lei tem o objetivo de fornecer informações mais claras sobre os anunciantes, o que ajuda a combater a desinformação e os anúncios enganosos na internet. Além disso, a exigência de que empresas tenham uma representação local para anunciar no Brasil pode proteger os consumidores brasileiros de produtos e serviços que não atendem aos padrões de qualidade e segurança estabelecidos no país. A livre concorrência não deve ser considerada acima da proteção do consumidor e da transparência na publicidade.

O último argumento da empresa é que o PL, dificulta o acesso dos brasileiros à Busca do Google ao tratar buscadores como redes sociais. 

Não preciso nem comentar, basta você ler o começo desse tópico. Mas a empresa está fazendo uma espécie de jogo com o leitor, como se dissesse: — Olha, a única alternativa aqui sou eu. Enquanto isso, os avanços em novas tecnologias, em especial as IAs, vem crescendo e sendo disponibilizados para o grande público. 

Outro ponto discutido é que algumas pessoas acusam a imprensa e a classe artística de apoiarem o PL porque ele prevê a remuneração de empresas de jornalismo e conteúdo protegido por direitos autorais, como músicas e vídeos. No entanto, segundo o Google e o Facebook, a definição de “empresa de jornalismo” é vaga, o que pode levar à proteção e remuneração de veículos que propagam fake news. Além disso, a remuneração pelos direitos autorais é um aspecto positivo do PL, mas as plataformas de conteúdo podem ser obrigadas a pagar mesmo que o conteúdo não tenha sido produzido de forma legítima.

As medidas do STF

Às 15h50 Alexandre de Moraes determinou que a polícia federal colha o depoimento de presidentes ou equivalentes das big techs.

O ministro mencionou em sua decisão um estudo realizado pela NetLab, da UFRJ, que aponta para diversas evidências de uma atuação inadequada das empresas de tecnologia em relação ao PL 2630. Entre as constatações estão:

  • O Google utiliza seu próprio site para impulsionar a narrativa de que o PL é uma forma de censura;
  • O Brasil Paralelo anuncia no Google contra o PL;
  • O Spotify veicula anúncio político do Google, indo contra suas próprias regras;
  • O Google anuncia sem rótulo META ADS na Meta, contra o PL;
  • O Google indica fontes hiper partidárias na primeira página de busca;
  • YouTubers contrários ao PL 2630 são sugeridos na primeira página;
  • O YouTube faz um “alerta urgente” sobre o “impacto negativo” da PL2630 para criadores de conteúdo;
  • A página do Google aparece com mensagem contra o PL;
  • O Google induz busca sobre “PL da Censura”.

No mesmo sentido, o site Aos Fatos levantou 39 anúncios relacionados ao PL 2.630 no Facebook e Instagram, com um total de impressões entre 375 mil e 463 mil e custo estimado entre R$ 700 e R$ 4.560. Do total, 35 anúncios eram contrários à proposta, somando entre 361 mil e 441 mil visualizações e custo estimado entre R$ 700 e R$ 4.165. Dos 39 anúncios identificados, 25 (64%) foram comprados por parlamentares.

Por volta das 16h, Alexandre de Morais pediu a retirada de todos os anúncios feitos pelo Google contra a PL, sob multa de 150 mil por anúncio e pediu que a além do Google a Meta expliquem o motivo de não terem rotulado os anúncios como publicidade. 

Para finalizar, o que acontece agora? 

O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) recebeu mais de 90 pedidos de emendas, o que pode atrasar a análise e a formatação do texto para a votação. Se essa demora se concretizar, é possível que a questão seja levada ao Supremo Tribunal Federal.


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