Quando é a hora de parar? Tenho me perguntado isso há algumas semanas.
Projetos de fôlego, especialmente na internet, tendem a desaquecer com o tempo — ao menos é o que acontece comigo. Já mencionei, em Cismas anteriores, minha sina de montar sites desde o século passado e minha relação próxima (e, muitas vezes, conturbada) com a internet.
Para além do saudosismo, trago a sensação de que, apesar da total liberdade de criação proporcionada pelo ambiente virtual, há certo prazo de validade imbuído, mesmo que indeterminado, em cada nova ideia publicada.
Tenho sido movida por projetos nos últimos anos (e, pensando na etimologia da palavra, como diria o professor Cristiano de Salles), todo projeto é uma projeção para o futuro. Ou seja, sou movida por projeções.
(Inclusive tenho um poema em prosa exatamente sobre isso, que você pode ver-ouvir aqui)
Esta é a centésima vigésima nona semana em que eu e o Menin dedicamos parte do nosso tempo para construir, juntos e com a ajuda de colaboradores, essa newsletter. Quando começamos, não passou pela nossa cabeça determinar quantas edições o Lambrequim teria, muito menos se teria fim. Traçamos um plano e começamos a produzir.
Mas, como seres de mudança que somos, é de se esperar que certas ações comecem a perder o sentido em algum momento. No entanto, qual é a medida desse “perder o sentido”?
Uma das medidas é do público atingido — que, no caso do Lambrequim, é uma média de 700 leitores semanais. A resposta desse público, no entanto, é tímida: não há engajamento — o que não é uma reclamação, aliás. A proposta da newsletter sempre foi promover uma outra relação temporal com o conteúdo produzido, de menos imediatismo e mais reflexão.
Quando medimos o sucesso de uma criação à plateia atingida, estamos tendo nada mais do que uma relação mercantilista com o que produzimos. Só produzimos porque há plateia — ou, como diriam os marketeiros, pensando no público-alvo. Lapidar uma ideia através do prisma do público-alvo nada mais é do que torná-la uma mercadoria.
Não sou contra as práticas do marketing — afinal, elas funcionam e ajudam muita gente. O ponto é que essas práticas não funcionam para mim.
O Lambrequim nasceu (e já falei mais de uma vez sobre isso) para fugir da lógica balizadora das redes sociais. Como consequência disso, nesses 29 meses de trabalho, mudamos nossa abordagem algumas vezes, retirando e adicionando temas ao nosso bel prazer e interesse. Hoje, por exemplo, falo pouquíssimo sobre escrita, assunto que provavelmente trouxe muitos assinantes até nós.
Libertos de linhas ditatoriais editoriais e públicos-alvo, passamos de escrever sobre temas pré-determinados para escrever sobre algo que nos atravessou durante a semana — de textos reflexivos a informativos, cada um do seu jeito.
Em sentido estrito, para nós, o Lambrequim é um exercício de disciplina e organização; um compêndio de ideias em construção que mandamos por e-mail.
Há beleza em tudo isso, né? Mas a pergunta que iniciou essa Cisma ainda não foi respondida: quando é a hora de parar?
É uma satisfação concluir projetos. Planejá-los e executá-los até chegar o dia em que aquela ideia planejada para o futuro agora é parte do passado. O prazer é análogo ao quentinho no coração de uma narrativa com início, meio e fim.
Projetos criativos na internet, como uma newsletter, são mais parecidos com a nossa vida: a gente sabe que, em algum momento, a vontade de continuar publicando vai morrer, seja por morte natural, agonizante ou acidental — a diferença é que quem assina o atestado de óbito não é o médico, mas sim quem começou a ideia.
Por aqui, funciono em mergulhos e conexões profundas: para trabalhar em um projeto, tenho a necessidade de ser-estar aquele projeto no presente. No momento em que escrevo essa Cisma, eu sou essa Cisma, assim como no momento em que vejo uma série, eu sou essa série. A partir do momento que deixo de me conectar ao que estou fazendo, começo a me frustrar e questionar se a energia que me movia para determinada direção não está chegando ao fim.
Haveria um veredito, então? Está ou não está morrendo, o Lambrequim?
A partir do momento que me sento na tarde de domingo de calor histórico e escolho, entre todas as coisas, escrever essa Cisma porque acordei com um chamado incômodo na cabeça, a resposta está dada: o Lambrequim não está morto.
Apesar da instabilidade aparente, sobreviverá.