Lambrequim logo newsletter

a newsletter de cultura e tecnologia da Edições Tempora

O lugar (inferior) da arte

quem consome, não paga
quem faz, não mostra
quem estuda, não encara
quem dela vive, pouco comemora

Reducionismos, talvez, mas arte arde mais do que queima e move menos areias do que ampulheta.

(resumo de uma reflexão maior, que segue)

Se você está aqui, lendo esse texto, é poque se relaciona com a arte. Seja artista ou admirador, fazendo da arte sua principal atividade ou a levando-a como hobby, não importa: foi ela que te atraiu até aqui.

Depois de tanto conversar sobre o fazer artístico, deparei-me com um padrão: o lugar inferior ao qual, como sociedade, condenamos a arte. Passando longe do clichê “arte é a primeira área que cortamos quando a grana fica curta”, é comum colocarmos a arte em segundo plano, mesmo que ela nos chame repetidas vezes ao longo da vida.

A disputa arte versus capital não é nova e não será resolvida num mero texto. No entanto, há dois dilemas a serem explorados: a arte como hobby e a monetização da arte. Comecemos pelo dinheiro.

Para encurtar o raciocínio, pouco importa se arte é ou não é produto, se devemos atribuir ou não um “valor de venda” a ela. A verdade é que quando alguém dá dinheiro pela sua arte é porque essa pessoa está atribuindo valor a você.

Demorei muitos anos para compreender que o dinheiro que recebia pelas vendas dos meus livros, por exemplo, era um depósito de confiança que as pessoas faziam em mim e não um favor. Receber dinheiro por um trabalho artístico nada mais é do que troca de energia. É claro que compra quem pode (se é preciso entrar nesse mérito), mas, antes de poder, a pessoa precisa querer.

Lógico que você pode dizer “não pago porque não tenho dinheiro”. Compreendo, é uma situação bem comum. Mas será que assim não criamos um ciclo vicioso? Quantos de nós, ao ter R$5 sobrando, pensamos imediatamente em apoiar o trabalho de algum artista que admiramos? Pouquíssimos têm esse pensamento porque, como sociedade, não estamos acostumados a apoiar o trabalho artístico sem ganhar nada em troca.

Agora que já falei sobre dinheiro, vamos ao segundo dilema: ser artista por hobby. Você tem todo o direito de não querer pagar seus boletos com arte; de separar os dois mundos; de usar a criação como válvula de escape ou passatempo. No entanto, você não tem o direito de ser um artista menos capaz só porque não ganha dinheiro com a sua arte. Tempo de estudo, produção e desenvolvimento criativo não estão interligados a quanto você ganha para fazer arte, mas sim ao lugar no qual você coloca a arte da sua vida.

Dizendo o óbvio, cada um encontra a sua forma de se expressar dentro do chamado da arte — e é aí que está a magia. No entanto, de que adianta atender ao chamado quando lhe reservamos um lugar tão secundário? Quando os boletos, os problemas, o nosso psicológico e a rotina sempre estão em primeiro plano? O pouco valor que damos à arte, seja como produtores ou admiradores, nos faz acreditar que arte é luxo, é para quem fez aulas, para quem teve oportunidades ou talento. Mas arte não é nada disso.

A arte não é melhor nem pior do que nossas questões cotidianas, porque a arte é parte do cotidiano. Arte é o que podemos criar dentro de uma técnica, a partir de cada átomo que nos rodeia. Arte é contato com o outro de fora e o outro de dentro; é transformar-se um pouquinho a cada dia. Arte é descoberta, também de fora pra dentro e de dentro pra fora.

Palavra de quem procrastinou demais: mesmo que seja pouco, mesmo que pareça inútil e difícil, comece agora. Crie tudo o que você deseja e tenha contato com tudo o que você admira. Sem pudor; sem cobranças. Porque não há turbulência que tire de você a experiência íntima que só a arte é capaz de proporcionar.


Publicado

em

por