Nem tudo o que escrevemos precisa ser útil.
Uma afirmação boba, eu sei. Mesmo assim, sustento-a, porque uma coisa é afirmar por escrito, e outra é praticar.
A escrita e suas inúmeras formas de existir deixam qualquer escritor doidinho. É tanto copy, tanto marketing e tanto ganhe dinheiro de forma milagrosa saltando pelos meandros das nossas dedadas na tela que é fácil sucumbir ao desejo de dar à escrita alguma serventia.
Pois venho te contar que a melhor escrita é aquela que serve para nada. A que não quer convencer, não quer contar, não quer ensinar — enfim, que não está atrelada a uma relação de causalidade. Uma escrita que simplesmente existe e se sustenta pela força de existir.
A força de existir a que me refiro é o exato oposto do utilitarismo. Hoje, para que algo seja lido e reverbere no maremoto de informações, o escritor se vê obrigado a selecionar temas do momento ou ainda a escolher um determinado grupo de pessoas (nicho) com o qual se comunicar. Escrever pelo simples ato de escrever, sobre o que der na telha, tornou-se sinônimo de fracasso material e profissional.
Sim, fracasso. Nas últimas semanas vi ao menos cinco anúncios no Instagram em que os anunciantes usavam o seguinte argumento:
Cansado de tentar ganhar dinheiro escrevendo livros, notícias e posts para blogs? Fique rico em um mês escrevendo copys.
(Tentador, não acha?)
Ao não iniciados, copywriting é uma técnica de escrita que usa frases curtas, gatilhos mentais, storytelling e muitos emoticons com o intuito de convencer o leitor a executar alguma ação (como comprar algo, deixar um comentário ou visitar algum site). Essa técnica é muito utilizada nas redes sociais, em especial no Instagram, e pode facilmente ser aplicada a roteiros de vídeos.
Não há nada de errado com o copywriting, com o marketing nem com o storytelling — são técnicas que atendem aos seus propósitos e devem ser estudadas (inclusive para termos consciência de como textos escritos nesses formatos nos influenciam). O problema está em produzir e consumir a escrita apenas pela sua utilidade.
Aliás, esse é um problema generalizado. Por um lado, há tanto de tudo para consumir (nas artes, no entretenimento, no conhecimento, nos bens de consumo) que nos vemos obrigados a escolher apenas o que possa ser útil para nós. Por outro, estamos tão ocupados produzindo e consumindo em prol do utilitarismo que não nos permitimos (seja por falta de tempo ou de vontade) fazer algo por fazer.
Mas voltemos à escrita, foco desta Cisma. Deixar de escrever por escrever é renunciar o desenvolvimento criativo que a escrita pode proporcionar. Conhecer as técnicas é importante, comunicar é importante, ter um objetivo é importante, mas igualmente importante é se permitir escrever pela fruição do ato.
Pare um pouco e se pergunte: alguma vez você já sentiu culpa por ter passado horas escrevendo algo aparentemente inútil? Ou então o inverso, procrastinou a escrita porque achou inútil gastar tanto tempo trabalhando em um texto?
Escrever exige dedicação, tempo e desprendimento. Dedicação e tempo são duas medidas claras, mas o desprendimento talvez seja subestimado. Não apenas o desprendimento de publicar e ouvir opiniões dos leitores, mas o desprendimento de exigir-se menos e permitir-se mais durante o ato da escrita. Escrever mais por vontade do que por utilitarismo.
Concordo que os desejos de ser lido e ganhar dinheiro através da escrita são essenciais e nos incentivam a escrever, mas eles não podem ser determinantes, menos ainda limitadores.
Temos que tomar o caminho contrário, o da invenção. Só assim garantimos a pluralidade das nossas vozes. Quando todo mundo escreve sobre os mesmos temas e utilizando as mesmas técnicas, ler se torna chato.
Para que a leitura seja um ato lúdico, de fruição, a escrita também precisa ser. Quanto mais escritores investirem suas habilidades exclusivamente em textos utilitaristas, mais nos afundaremos em sociedades cuja minoria manipuladora influencia uma maioria que toma como verdade tudo o que recebe.