Escrever um romance é um desafio por si só, e o National Novel Writing Month (NaNoWriMo), uma organização criada para incentivar esse processo, há anos ajuda escritores ao redor do mundo a colocar suas ideias no papel.
Mas, recentemente, o NaNoWriMo se viu no meio de uma polêmica que vai além do esforço criativo: a utilização de inteligência artificial (IA) para auxiliar na escrita de romances. A organização foi criticada por sugerir que condenar o uso dessas ferramentas poderia ser considerado “classista e capacitista” — duas palavras carregadas de significado e que despertam paixões em qualquer discussão social.
O que é o NaNoWriMo?
Para entender a controvérsia, é importante conhecer o contexto. O NaNoWriMo começou em 1999 como uma iniciativa de um pequeno grupo de amigos apaixonados por escrita, que lançaram um desafio de escrever um romance de 50 mil palavras durante o mês de novembro.
O evento cresceu exponencialmente ao longo dos anos e, em 2022, contou com mais de 400 mil participantes. Vários dos romances gerados durante esses desafios acabaram se tornando best-sellers, como Cinder e The Night Circus.
No entanto, a ideia central do NaNoWriMo sempre foi a de superar o bloqueio criativo e encarar a maratona literária com dedicação, algo que alguns participantes e críticos acreditam ser fundamentalmente ameaçado com o uso crescente da IA para auxiliar na escrita.
IA na literatura?
A discussão sobre o uso de IA no processo criativo não é nova, mas no contexto do NaNoWriMo, ganhou uma nova camada de complexidade. A organização, ao emitir uma declaração em que defendia o uso da IA como uma ferramenta que poderia beneficiar escritores com menos recursos ou com deficiências, foi rapidamente atacada.
Autores e participantes se revoltaram com a ideia de que aqueles que criticam o uso dessas tecnologias estariam sendo “classistas” ou “capacitistas”. A alegação era que muitos escritores “dependem” dessas ferramentas para superar barreiras que, de outra forma, os impedia de participar.
A crítica, entretanto, não parou por aí. Alguns viram essa posição como um uso indevido da linguagem da justiça social, distorcendo questões legítimas para justificar a utilização de tecnologias que muitos consideram nocivas ao processo criativo.
Complementarmente, o fato de uma das patrocinadoras do NaNoWriMo ser uma empresa que desenvolve ferramentas de escrita com IA apenas aumentou a suspeita de que a organização estaria se inclinando em favor de interesses corporativos.
Divisão na comunidade literária
A controvérsia teve repercussões imediatas e dramáticas. Figuras influentes do mundo literário, renunciaram aos seus cargos no conselho do NaNoWriMo, expressando publicamente sua indignação. Um deles chegou a descrever a posição da organização como “vil” e “inaceitável”.
A renúncia de autores de renome apenas ampliou o sentimento de traição por parte da comunidade, que, até então, via o NaNoWriMo como um refúgio para a criatividade e a liberdade de expressão.
A polêmica traz de volta a já “velha” questão: se o uso de IA é ético no contexto da criação artística.
A questão do talento e do esforço
Outro ponto importante no debate é a ideia de que, se uma pessoa não tem talento ou habilidade para uma determinada arte, como a escrita, talvez o caminho deva ser o de encontrar uma outra forma de expressão ou trabalhar para melhorar suas habilidades, em vez de delegar essa criação a uma máquina.
Na era da IA, a pergunta que fica é: devemos permitir que máquinas façam por nós aquilo que não conseguimos fazer sozinhos? Ou o verdadeiro valor da arte está justamente no esforço humano, na tentativa e no erro, no aprendizado e no aperfeiçoamento constantes?
Enquanto o NaNoWriMo busca se (re)posicionar no meio da polêmica, a divisão na comunidade literária permanece. A organização, que sempre defendeu a inclusão e o apoio aos escritores de todas as origens, agora precisa equilibrar sua missão com as crescentes preocupações sobre o uso de IA.
O futuro do NaNoWriMo
Diante desse cenário, o NaNoWriMo tem um grande desafio pela frente: manter sua relevância em um mundo onde as tecnologias emergentes estão transformando todas as facetas da vida, inclusive a literatura.
A IA está aqui para ficar, e o debate sobre seu papel no processo criativo não vai desaparecer tão cedo. O que resta saber é se a organização conseguirá encontrar um equilíbrio entre inovação e tradição, sem perder de vista sua missão original: incentivar as pessoas a contarem suas próprias histórias.