No início da década de 1940, José Nogueira dos Santos estava prestes a apresentar à sociedade curitibana o Politon, um instrumento meio violino (mas sem cordas), meio de sopro (mas sem chaves). Essa história, que estamos pesquisando há mais de um mês, envolve espiritismo, pais e filhos com os mesmos nomes, preconceito e até o atual prefeito de Curitiba.
Para dar a você tudo o que descobrimos ao longo das mais de 200 páginas de jornais antigos reviradas (um salve para a digitalização de acervos!), decidimos dividir o texto em duas partes: a primeira, sobre a invenção, e a segunda, sobre o inventor.
“Hoje à noite a exibição do politon
O musicista paranaense, sr. José Nogueira dos Santos inventou conforme já noticiou a imprensa paranaense, um novo instrumento musical, que equivale a varios outros, e ao qual ele deu o nome de Politon.
A primeira exibição publica do politon será realizada hoje à noite no Clube Curitibano, onde então o fecundo inventor podera demonstrar a utilidade e a originalidade do seu invento.”
Esse foi o destaque dado pelo jornal Correio do Paraná (1932-1965), no dia 9 de março de 1940, para o que foi chamada de “primeira exibição pública do politon”. Às 8h da noite daquele sábado, o público aguardava no salão nobre do clube para ver o curioso instrumento musical.
Mas quem foi José Nogueira dos Santos? O que é esse tal instrumento musical? E por que nunca ouvimos falar dele até bem pouco tempo?
Para tentar responder a estas e outras perguntas, nossa coluna de hoje faz mais um mergulho no tempo e apresenta a você os resultados obtidos, até o momento, da nossa pesquisa sobre o Politon, um instrumento musical paranaense.
A primeira notícia que encontramos sobre o assunto é de 1937, mais precisamente de 29 de janeiro daquele ano. A chamada foi publicada no jornal O Dia (1923-1961) e refere-se à programação da Rádio PRB-2.
Dois detalhes chamam a atenção na notícia: o primeiro deles diz respeito às cartas e telegramas mencionando que o instrumento já era conhecido no país; o segundo é a tentativa de explicar o que é o instrumento musical.
Nota-se que o Politon era um instrumento musical com o formato que se assemelha a um violino “isento de chaves, cordas ou qualquer machina”, possuindo um bocal com palheta, portanto, um instrumento de sopro.
No dia 6 de abril de 1938, mais de um ano depois do anúncio da apresentação na rádio, o jornal Diário da Tarde (1899-1983) publica uma carta de Peri Machado “o maior violinista” da época. A data da carta é 16 de setembro de 1937.
Uma vez que a carta foi escrita por um músico, a descrição realizada é esclarecedora em alguns aspectos, detalhes que contribuem na compreensão das partes do instrumento “…apenas uma palheta metalica [sic]…”.
Já outras, no entanto, deixam certas dúvidas como, por exemplo, sobre a afinação: “produz todos os sons (?), mesmo os intermediários de tons e semitons, o que permite o aproveitamento de imitativos de sons não escritos em musica [sic].”
O que seriam “todos os sons”? E quais são esses “sons intermediários”? Os microtons? Se sim, por que na visão de Peri são apenas “imitativos” e não escritos em música? Deixaremos a questão para futuros pesquisadores e musicólogos que se dedicam ao período — estimamos sorte.
Outro detalhe muito interessante levantado por Peri é a parte em que ele descreve: “Segundo a forma da campanula [sic], ou pavilhão, os sons se modificam de sorte a poder imitar também outros instrumentos em registro graves e agudos”. Ou seja, além de o formato do corpo do instrumento ser de violino, possui uma campânula, que é uma parte de alguns instrumentos de sopro popularmente chamada de amplificador.
Como podemos perceber, o Politon já existia há algum tempo antes da “primeira exibição pública” citada no início deste texto, e da sua apresentação na Rádio PRB-2.
Nossa pesquisa, devido a pandemia, está limitada a acervos digitais — e essa limitação nos fez chegar a um vácuo temporal. Portanto, saltemos para o ano de 1945, especificamente para o dia 13 de novembro, data em que o jornal O Dia anuncia um evento musical às 8h da noite na sede da Federação Espírita do Paraná. Na ocasião, foi realizada uma homenagem ao músico e compositor Eugênio Nogueira dos Santos, irmão do inventor do Politon.
Um dos destaques no programa do evento são as composições de Eugênio, que foi professor de música e compositor. A renomada musicista Guiomar Novaes (1895-1979), foi aluna de Eugênio quando ele passou uma temporada em São Paulo (SP), também estava presente. Outro destaque é claro, são as peças executadas ao Politon por José.
Nota-se que houve grande esforço e preocupação de José em, não somente registrar seu invento, mas também de apresentá-lo sempre que possível ao público. Ao menos temporariamente, parece ter dado resultado, como podemos notar nos anúncios realizados pelo Conservatório Musical Santa Cecília em Curitiba (PR) no jornal O Dia.
Publicações como esta sobre o curso de “Palitôn” são frequentes no jornal até pelo menos o ano de 1949. Inclusive, Politon, Palitôn, Polyton, Politôn e Politom são alguns dos nomes encontrados para o instrumento musical criado por José.
Na terça-feira, dia 23 de agosto de 1949, o deputado Julio Rocha Xavier, sugere ao Poder Executivo a inclusão e formalização das cadeiras de Harpa e Cítara na recém fundada Escola de Música e Belas Artes do Paraná — EMBAP (atual Unespar campus 1), bem como a inserção de uma cadeira de ensino do Politon.
A possibilidade da inclusão do instrumento musical criado José denotaria a sua consagração como inventor. No entanto, a maldição curitibana, que já caiu sobre tantos artistas da capital paranaense, estava prestes a também cair sobre ele.
Confira o desfecho do Politon na próxima edição do Lambrequim!