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projéteis-projeções, planos disfarçados de retas

Final de ano: aquela época em que reciclamos embalagens de presente, pensamos no que fizemos nos últimos meses e planejamos os próximos. O inevitável misto de retrospectiva com projeção para o futuro é tão prazeroso quanto perigoso. E quando o assunto é produção artística, essa avaliação ganha camadas ainda mais densas.

Aquilo que fizemos ou deixamos de fazer, mas que não é exatamente vital para nossa sobrevivência, colocado numa lista do que foi e do que poderia ter sido. Não sei você, mas eu tenho medo de fazer muitos planos, porque os planos confirmam que expectativas foram criadas. Mas, se é ruim ter planos, é ainda pior não tê-los. Navegar por 365 (ou 366, no caso de 2024) vivendo os dias como eles vierem não é nada satisfatório — ainda mais se você tem alguma ambição artística

Falar sobre ambições no âmbito artístico é também falar sobre essa inutilidade que nos move chamada sonho. Desejar tanto algo a ponto de investir inúmeras horas se aperfeiçoando até fazê-lo, mesmo sabendo que essa realização talvez nunca resulte em uma recompensa material, como manda o bom e velho capitalismo.

A ambição, é claro, varia de tamanho e de momento artístico. Como qualquer primeira experiência, escrever a primeira história ou publicar o primeiro livro tem um sabor especial que dificilmente se repetirá nas próximas vezes. Há os que satisfazem o sonho logo no primeiro livro; há outros que sonham cada vez mais alto. Eu pertenço ao segundo grupo.

Penso que ambicionar é evoluir um sonho. A gente continua sonhando, mas com novas proporções. É olhar o que a gente tem e avaliar como usar tudo aquilo para chegarmos a um novo lugar. Mas evoluir um sonho exige também novas habilidades, tanto emocionais quanto práticas, que o sonho primeiro não exigia.

Então, para seguir em frente com uma ambição artística, planejar seria uma boa opção, não é? Seria, não fossem outros dois fatores: o surgimento de outros sonhos e a imprevisibilidade da vida.

Quanto a imprevisibilidade, nada podemos fazer, então foquemos no surgimento de outros sonhos. Ter a mente sempre cheia de novas ideias é tão comum quanto inevitável para nós, artistas. Seria bem-vindo filtrar, colocar alguma ordem nas coisas, mas isso nem sempre ocorre, porque onde há muitas ideias e ambições, há também muitas emoções envolvidas.

Emoções. Talvez o aspecto mais complicado de lidar quando estamos sonhando, ambicionando e produzindo. Já que as emoções são tão variadas quanto as ambições, apenas projetar e executar o plano não basta: afinal, entre o plano, a expectativa e o resultado, há um caminhão de sentimentos que podem nos atravessar no processo.

Já ouvi muitas vezes artistas dando conselhos como “continue o que você está fazendo, termine que da próxima vez será melhor”. É fofo, mas é tão raso quanto ingênuo afirmar que basta continuar. É claro que se a pessoa ambiciona algo, vai continuar produzindo, tentando chegar a algum lugar, mas no discurso do “just do it” o lugar não está posto. O ato de fazer, apesar de ser essencial, torna-se vazio, um fazer por fazer.

Perceba a ironia: planejar pode criar expectativas, mas não planejar não nos leva a lugar algum. Então, qual seria a melhor forma de planejar os projetos artísticos para o ano que vem?

Seria fácil lançar aqui outro clichê como “planos são planos, você não deve se apegar a eles”, mas, né, sejamos francos: todo plano é uma forma de apego; se não fosse, não estaríamos projetando nosso futuro numa agenda 20 dias antes do ano acabar. 

À medida que nossa ambição aumenta, vamos perdendo a noção do que nos trouxe até aqui. Perdendo aquele sonho-primeiro, o impulso condutor para todos os outros. Entre novos sonhos e velhos sentimentos, há sempre uma chama que permanece, intacta, pronta para nos conduzir nos dias mais sombrios. 

Para além dos planos, para além de toda a ambição que possamos ter, é a essa chama que devemos nos apegar: ao sonho-primeiro que nos fez artistas.

Sei que não será fácil pra mim, e imagino que não será fácil pra você, mas desejo que possamos abraçar a nossa chama artística e mantê-la acesa com a mesma intensidade pelos próximos 366 dias. Que a imprevisibilidade não nos pare, que nossas emoções não nos limitem, e que possamos criar sem ter receio das nossas ambições.


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