Antes do primeiro raio de sol tingir o horizonte e a névoa se dissipar entre as montanhas, o biólogo Santiago Monroy e o produtor musical José Álvarez já estavam em ação. Sua missão não envolvia partituras ou instrumentos tradicionais, mas sim captar as melodias naturais do país.
Com microfones parabólicos e gravadores de alta precisão em mãos, percorreram mais de mil quilômetros pelos ecossistemas colombianos para transformar a biodiversidade em protagonista musical.
O desafio? Recriar o hino nacional utilizando apenas os sons da natureza.
A expedição durou 12 dias e levou a dupla de cenários exuberantes como os Llanos Orientais até a Serra Nevada de Santa Marta, passando pelo misterioso páramo de Chingaza.
O despertar acontecia às três da manhã, sincronizado com o canto das aves e os ecos da fauna silvestre. Do rugido de um jaguar ao sopro do vento sobre a floresta, cada som captado carregava um pedaço da identidade sonora da Colômbia.
O resultado é uma obra emocionante apresentada na COP16, a conferência global sobre biodiversidade realizada em Cali.
O Som da Identidade Nacional
A ideia não surgiu do acaso. A iniciativa foi financiada pela seguradora Sura em parceria com a agência de publicidade McCann Colômbia, que buscava um projeto simbólico para representar a riqueza ecológica do país. “Se a biodiversidade é o coração da Colômbia, por que não deixá-la cantar?”, questiona Alejandro Barrera, diretor criativo da McCann.
A missão de transformar esse conceito em música coube ao compositor Miguel de Narváez, que descreveu o desafio como o mais emocionante de sua carreira. Compondo com os sons de 41 espécies de aves, três anfíbios, um jaguar e o eco de baleias, ele reconstruiu a melodia do hino nacional a partir da própria natureza.
“A Colômbia é o país com a maior diversidade de aves do mundo. Nada mais justo do que deixar essas vozes contarem nossa história”, explica Narváez.
Da Floresta para a Partitura
Monroy, especialista em bioacústica, traçou uma rota detalhada para garantir que os registros contemplassem as diversas regiões do país. Eles visitaram reservas naturais privadas, onde proprietários comprometidos com a conservação permitem que a natureza floresça sem intervenção humana.
Em locais como a Reserva Rey Zamuro, nos Llanos, e o Ecopalacio, em Chingaza, captaram sons únicos. Um dos momentos mais inesquecíveis aconteceu na Finca La Berreadora, onde um fazendeiro e guia de observação de aves os levou a um lek — uma arena de acasalamento do exótico galo-das-rochas. O ritual de cortejo dessa ave, com suas melodias intensas e cadenciadas, adicionou uma camadas de drama e autenticidade ao projeto.
O maior desafio veio na hora de organizar a sinfonia natural dentro da estrutura clássica do hino colombiano, composto em 1887. “As aves não seguem uma partitura, então tivemos que adaptar sem perder a essência”, conta Narváez. Para isso, Álvarez utilizou softwares especializados para ajustar tons e harmonizar os chamados da fauna com as notas da composição original.
Ao todo, foram mais de 20 horas de gravação e 700 arquivos sonoros trabalhados na edição. Cada nota precisava soar autêntica e, ao mesmo tempo, emocionante. “O mais difícil não foi encaixar os sons, mas fazer com que eles tocassem o coração dos colombianos”, revela Álvarez.
A Natureza Como Protagonista
Em meio à jornada, uma surpresa mudou o rumo da gravação. No páramo de Chingaza, um grupo de turistas apontava para uma coruja-diurna — uma espécie rara, que ali se manifestava em uma melodia singular. Durante 40 minutos, a ave entoou um canto hipnótico, que foi captado por Álvarez. Essas notas inesperadas se tornaram a abertura do hino, um simbolismo poderoso sobre como a natureza segue seu próprio compasso.
Quando a versão final do hino foi apresentada na COP16, a resposta foi avassaladora. “Tivemos relatos de pessoas que ouviram a gravação repetidas vezes, emocionadas”, diz Narváez. Nas redes sociais, colombianos celebraram a criação como um lembrete da exuberância natural do país — um tesouro que, apesar de protegido em 31% do território, ainda enfrenta ameaças como o desmatamento e a mineração ilegal.
Para Gabriel Oneiber Novoa Moreno, o guia que ajudou na captação do galo-das-rochas, ouvir o hino foi uma confirmação: “Proteger a natureza é o melhor legado que podemos deixar”. Já Monroy reflete sobre o verdadeiro significado do projeto: “Cada nota que coletamos é um chamado — não apenas para preservar as espécies, mas também as histórias que elas carregam”.
O hino está disponível online, convidando o mundo a escutar a Colômbia sob uma nova perspectiva: não como um país que apenas canta sobre sua natureza, mas como um lugar onde a própria natureza é a música.
Texto adaptado e traduzido do artigo: “How Scientists and Composers Teamed Up to Create a Stunning Natural Version of Colombia’s National Anthem” de Alexa Robles-Gil da Smithsonian Magazine.