O quanto se diz sem usar palavras? As palavras simbolizam tanto a materialidade, como os objetos que nos rodeiam, quanto a imaterialidade, como os sentimentos que experienciamos.
Não há nada na palavra “cachorro”, por exemplo, que nos remete ao animal que chamamos de cachorro, ou ainda à imagem mental que elaboramos ao ouvir ou ler a palavra “cachorro” — ou seja, a palavra “cachorro” é uma abstração, um símbolo que nos remete ao animal assim chamado.
Ícones e índices são as outras duas formas, apontadas por Saussure, utilizadas na comunicação. Sendo índices representações que indicam um sentido (como patinhas e ossos nos remetem à ideia de cachorro), e ícones representações diretas ao que se deseja dizer (como ilustrações ou fotos de cachorros), ícones e índices são formas não-verbais de comunicação.
Quando pensamos nas narrativas gráficas desenvolvidas nas histórias em quadrinhos, logo percebemos que o que as torna tão específicas e difundidas é exatamente o fato das linguagens verbal e não-verbal serem utilizadas em confluência. Chamadas de “nona arte”, as histórias em quadrinhos são consideradas uma linguagem narrativa à parte, exatamente pelo uso conjunto de palavras e imagens em sua construção comunicativa.
No entanto, é importante observar que os elementos visuais das histórias em quadrinhos são muito mais do que as ilustrações e as palavras que constituem a narrativa gráfica. Há uma série de elementos que integram e caracterizam as histórias em quadrinhos, a ponto de as considerarmos uma linguagem diferente de qualquer outra.
Quadros, balões, recordatórios narrativos, sarjetas e onomatopeias são elementos visuais (alguns verbais, outros não-verbais) típicos das HQs; já personagens e cenários, em suas representações gráficas, são os elementos visuais que conduzem e integram a ação da narrativa; e, por fim, cenas, ritmo e sequência constituem as escolhas de condução narrativa do roteirista.
É possível ainda apontar elementos secundários, como enquadramentos, planos, traços, suportes e cores que, apesar de não serem parte essencial da linguagem das narrativas gráficas, são escolhas determinantes na experiência de leitura que roteirista e ilustrador (caso o próprio roteirista não seja também ilustrador) pretendem gerar.
Essa série de escolhas têm um intuito claro: contar uma história. Porém, exatamente devido ao leque de opções disponíveis, há bastante liberdade em escolher quanto dessa narrativa será desenvolvida através da linguagem verbal e quanto será desenvolvida através da linguagem não-verbal.
Já que a narrativa gráfica é uma linguagem híbrida, fruto da união das linguagens verbal e não-verbal, saber como, quanto e quando utilizar ícones, índices e símbolos é essencial para o sucesso comunicativo de uma história em quadrinhos.
Por exemplo, usar recordatórios ou falas expositivas em demasia aproxima a HQ a um livro ilustrado; assim como apenas organizar ilustrações em quadros, uma ao lado da outra sem amarrações que poderiam ser feitas com o uso de palavras, nem sempre resultará em uma história em quadrinhos.
É preciso levar em conta, ainda, que as histórias em quadrinhos são resultado de atos criativos — ou seja, que além das técnicas empregadas, as escolhas realizadas passam por filtros criativos e artísticos que vão de encontro com as intenções dos artistas envolvidos na construção narrativa da obra.
Ao nos depararmos com a questão criativa, percebemos que a escolha sobre quais ícones, índices e símbolos utilizar não é um ato meramente comunicativo — trata-se de um ato comunicativo-criativo com intenção artística.
Portanto, apesar da principal característica das narrativas gráficas se apoiar na união de ilustrações e palavras para o desenvolvimento de uma história, a depender da intenção e dos efeitos pretendidos pelos artistas envolvidos na construção narrativa, o uso das palavras fica em segundo plano, muitas vezes servindo como complemento ao que se pretende comunicar através das ilustrações nos quadros.
Isso não significa, no entanto, que haja uma hierarquia entre palavras e imagens dentro das narrativas. Ao contrário das ilustrações, que se forem retiradas descaracterizam a narrativa gráfica, é possível escolher quando, quanto e como usar palavras em uma história em quadrinhos sem que isso a descaracterize.
O uso ou não das palavras ao longo de uma HQ depende, por fim, das intenções e do estilo narrativo que o roteirista pretende atingir.
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