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Que quer dizer Politon? 

Um enigma chamado Politon

Toda e qualquer pesquisa demanda tempo. É preciso paciência e, acima de tudo, persistência. Algo que tenho feito por aqui desde que iniciei a pesquisa sobre o Politon, nas edições 10 (aqui) e 11 (aqui) do Lambrequim.. A questão é que sempre chega um determinado momento em que essa busca, esse olhar para trás, parece ter chegado ao seu fim.

Como já mencionei anteriormente (na edição 167 da newsletter), a pesquisa começou durante a última pandemia e ganhou novo fôlego com o material recebido de um dos nossos leitores, o caríssimo José Claudemir Vieira. Ao ler e reler esse material, muitas dúvidas retornaram e novas surgiram. Algumas já foram apontadas em textos anteriores, mas a maior de todas, sem dúvida, é: por que motivo o Politon não vingou?

Depois de tanto tempo de pesquisa, é claro que tenho minhas suposições, e quero deixar bem claro que são apenas hipóteses. Embora tenham algum fundamento, é difícil comprová-las, ao menos em parte.

A primeira suposição, que na verdade é uma conclusão, é a de que José foi alvo de perseguição religiosa por conta de sua vertente espírita. Já falamos sobre isso aqui.

A segunda suposição é que José também foi alvo de racismo, seguindo a mesma linha de raciocínio. Essa hipótese não é difícil de sustentar considerando a época e a sociedade em que nosso pesquisado estava inserido. Um breve passeio por fotos disponíveis nos mais diversos acervos da cidade revela quase uma ausência total de músicos, professores ou praticantes de música negros.

No fim, apenas sabemos que José tentou de todas as formas emplacar seu instrumento, mas nada parece ter funcionado.

No texto anterior, informamos que o instrumento criado pelo inventor paranaense foi levado ao exame do Quartel General da 5ª Região. Me chamou muita atenção o fato de que, na transcrição de um termo lavrado pela comissão que avaliou o instrumento, constava o nome do músico e maestro Romualdo Suriani.

De forma bem resumida, a história de Romualdo Suriani é a seguinte: ele nasceu em Vêneto, Itália, em 12 de junho de 1880. Ainda jovem, emigrou para Campinas, interior de São Paulo, e em 1903 mudou-se para Paranaguá, cidade litorânea do Paraná, onde se juntou à fanfarra da Escola de Aprendizes-Marinheiros.

Em 1911, mudou-se para Curitiba e, em 1912, foi contratado como contramestre da Força Militar do Estado do Paraná, hoje conhecida como Polícia Militar do Paraná. Em 1913, foi nomeado Ensaiador da Banda, comissionado como alferes. Nesse mesmo ano, Suriani transformou a banda militar em uma orquestra sinfônica que se apresentava frequentemente ao ar livre nas praças de Curitiba, especialmente nas praças Osório e Tiradentes, em eventos conhecidos como “retretas”.

Em 1913, foi fundado o Conservatório de Música do Paraná, pelo saudoso maestro Leonard Kessler (1882-1924) e, em seguida, passou a ser dirigido pelo maestro e professor Antônio Melillo (1899-1966). O local atraiu dezenas de alunos e contava com um corpo docente de professores muito renomados, entre eles o maestro Suriani que ministrava aulas de clarim e cornetim. Atualmente, esse conservatório é a Unespar (campus 2). Quem sabe um dia não contaremos essa história por aqui.

Por hoje, nos basta prosseguir e dizer que, durante a Segunda Guerra Mundial, devido ao rompimento das relações do Brasil com os países do Eixo, Suriani foi excluído da Polícia Militar em 29 de janeiro de 1942 por sua origem italiana, sem direito a defesa ou compensação financeira. Isso teria levado Suriani a uma profunda depressão, vindo a falecer em 2 de fevereiro de 1943. Em 1944, sua exclusão foi anulada e uma sala de ensaios da Banda de Música, reconstruída pelo coronel Dagoberto Dulcídio Pereira, foi nomeada em sua homenagem.

Banda Sinfônica da Polícia Militar do Paraná, sob a regência do maestro Romualdo Suriani, na década de 1920. Fonte: Foto em domínio público, possivelmente do acervo da Polícia Militar do Paraná. 

Aonde queremos chegar com isso? Fácil: o maestro Suriani, por sua vasta experiência com bandas e orquestras, teria sim competência para fazer a avaliação do instrumento criado por José. Mas não sei se vocês notaram um pequeno detalhe.

Na edição 167, em uma das imagens que adicionamos ao corpo do texto, está a transcrição do termo de avaliação do Politon. Nela lê-se claramente logo no início do texto: “[a]os vinte e oito dias do mês de janeiro do ano de mil novecentos e quarenta e dois…”. Notou? Se não, eu explico.

Como é que, apenas um dia antes de ser expulso da corporação, ele estava avaliando e assinando um termo de avaliação de um instrumento musical? Isso é, no mínimo, estranho. Estou querendo dizer que é bem provável que a vida de Suriani já não estava nada fácil. Documentos indicam que ele era tachado de “fascista” e, mesmo que em plenas condições de avaliar o instrumento, minha dedução mais simples é que isso não ocorreu, ou que, se ocorreu, não foi feita tal avaliação pelo capitão inspetor da banda de música da Força Policial.

Como já foi dito aqui inúmeras vezes, José tentou de tudo para colocar seu Politon em voga, mas fora a transcrição do documento, não há nenhuma informação extra que nos ajude a nos situarmos. Por que o instrumento foi levado até o batalhão? José conhecia alguém lá? Ele acompanhou essa avaliação? Com relação às duas últimas perguntas, tenho uma tendência a dizer que não. Mas, como vocês já sabem, é impossível precisar tal informação. Então seguimos com exercícios livres de imaginação que nos levam a outras perguntas.

Teria José sido tão insistente que acabou sendo ludibriado pela polícia e recebeu o documento sem que ao menos seu instrumento tivesse sido verificado? Teria o capitão Suriani avaliado o instrumento apenas um dia antes de sua exclusão, ou, se realmente chegou a ver o Politon, teria feito isso dias, semanas ou meses antes, e o documento foi providenciado apenas um dia antes de sua saída da Força Policial? Com relação a essa última pergunta, o fato é que se Suriani realmente viu e avaliou o instrumento, esse possivelmente foi seu último ato como membro da corporação militar.

É difícil chegar a qualquer afirmação concreta, na verdade é até mesmo complexo imaginar, mesmo com diversos documentos da época, como era realmente todo o cenário. A única coisa que podemos fazer é acreditar que, se Suriani viu o instrumento, possivelmente ele teria feito alguma recomendação, tal como a do documento transcrito por José e reproduzido no nosso texto anterior. Se de Suriani não conseguimos extrair muita coisa que nos direcione, com relação aos outros dois nomes que assinam o documento, 1º Tenente Armando Cavalcanti de Albuquerque e Paulino Martins Alves, conseguimos ainda menos.

Sobre o primeiro, não encontramos nada até o momento, apenas alguns resultados de uma pessoa que possivelmente é um homônimo. Sobre o segundo, as informações encontradas até o momento são as seguintes:

O compositor e maestro Paulino Martins Alves nasceu em Palmeira, Paraná, em 14 de maio de 1893, e é reconhecido por ser um dos fundadores e o primeiro maestro tanto da “Banda Lyra dos Campos” quanto da “Orquestra Sinfônica de Ponta Grossa”. Ele liderou e dirigiu essas instituições até sua morte em 1973. A “Escola de Música Tenente Paulino Martins Alves” foi criada durante a gestão do prefeito Cyro Martins, pelo decreto-lei 232/72, em 27 de julho de 1972, com o propósito de formar e aperfeiçoar os músicos da Orquestra Sinfônica, além de incentivar novos aprendizes e promover a produção musical na cidade. Em 1992, a escola foi renomeada para “Conservatório Dramático Musical Maestro Paulino Martins Alves”, nome pelo qual é conhecida até hoje.

O Maestro Regente Paulino Martins Alves conduz um ensaio da Banda Lyra dos Campos, em algum dia de dezembro de 1958. Fonte: acervo da Fundação Municipal de Cultura de Ponta Grossa.

As perguntas aqui são: o que o maestro Paulino estava fazendo em Curitiba? E por que ele é um dos que, segundo a transcrição do termo feita por José, assina o documento? Não tenho resposta para essas perguntas, mas é possível que até a data de avaliação do Politon, o maestro Paulino ainda não tivesse se mudado para Ponta Grossa.

Voltando ao livro de José, especificamente ao parágrafo final do trecho sobre o exame do instrumento, no pequeno livro “O que quer dizer Politon?”, segundo o autor, o instrumento foi levado ao Ministério da Guerra, no Rio de Janeiro, e “parece que foi ignorado ou perdido durante o período ativo da Segunda Guerra Mundial”.

Em buscas que realizei nas últimas semanas, nada, absolutamente nada foi encontrado. O que me leva a deduzir que na verdade o Politon não foi levado ao Rio de Janeiro. Não há documentos, notícias em jornais ou periódicos, nada. O que há é apenas a palavra de José informando isso. E aqui não estou dizendo que ele não estava falando a verdade. Eu realmente acredito que ele tenha ouvido de alguém que um de seus Politons foi levado para apreciação no Rio.

À página 14 do seu pequeno livro sobre o Politon, José, já cansado de tentar divulgar ou fazer seu instrumento ser reconhecido, diz: “Incompreendido, cesso a propaganda. Recolho das exposições comerciais os exemplares à venda.”

Esses exemplares à venda, onde foram parar? Houve algum deles que foi vendido? Em relação às apreciações feitas do instrumento e aos concertos realizados, ninguém se interessou pelo instrumento? Ninguém ajudou na divulgação? Dos nomes citados em todas as nossas publicações, não há ao menos um sequer que possa ter ajudado José em sua empreitada? São questões e dúvidas que me causam uma certa desconfiança e estranheza.

A tarefa do historiador e do pesquisador é, por vezes, solitária. Chegar a um ponto onde apenas a imaginação parece restar é comum, gerando um certo desânimo, não apenas por ser praticamente impossível concluir algo, mas por saber que até onde chegamos, José, junto de seu instrumento, parece realmente ter tido pouca “sorte”.

Por enquanto, os resultados são estes que publicamos. A ideia agora é seguir a investigação de forma mais leve e sem tanta demanda como foi até aqui. Possivelmente, teremos daqui a algum tempo uma última publicação comentando o livro de José. Enquanto isso, a busca por novas fontes e informações continua.


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