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O que será do QI das futuras gerações (e será que isso importa)?

A criança mal se equilibra na ponta dos pés, caminha ainda com dificuldade, mas se estica e alcança o celular sobre a bancada. Olha o aparelho, identifica os minúsculos botões laterais, aperta um deles.

O celular emite sinal de luz, mas está bloqueado. A criança desliza o touchscreen e destrava, procura os ícones na tela e clica no vermelhinho. Pronto: ela vai passar todo o restante deste texto mergulhada em um universo digital.

A cena descrita acima já foi vista por mim e por você, mas também pelos avós da criança, e o comentário invariavelmente é algo do tipo:

— Essas crianças de hoje em dia são muito inteligentes! São tão independentes! Nem precisa ensinar, basta ver uma ou duas vezes e já saem fazendo!

Quando o estímulo é demais, desconfie!

É bem provável que a maioria de nós (que já não somos crianças) soltou em algum momento comentário parecido ao da avó cheia de afeto do exemplo acima. Os motivos parecem ser evidentes: as novas gerações operam gadgets cada vez mais cedo, têm contato com outros idiomas (especialmente o inglês) antes mesmo de saber contar até dez, e entram em escolas desde tenra idade.

Isso para não falar da qualidade dos estímulos recebidos: quem nunca tremeu na base ao recordar dos desenhos animados antigos, nos quais coelhos atiravam com arma de fogo, pica-paus bebiam uísque e super-heroínas eram fetichizadas em roupas justíssimas?

As novas gerações, pensamos nós, raramente escapam do controle parental, assistem a cartoons fofinhos e educativos que, não raro, ensinam os nomes das cores, os números e uma porção de lições edificantes. Tem como não serem mais inteligentes do que todas as gerações anteriores?

A resposta (ainda que sua avó não esteja preparada para isso) é: tem sim. Na verdade, a Geração Digital será a primeira cujo QI (quociente de inteligência) será menor do que o da geração anterior. E quem diz isso é Michel Desmurget, neurocientista e diretor de pesquisa do Instituto Nacional de Saúde da França, que constatou tal declínio mesmo em países nos quais as condições socioeconômicas são estáveis por décadas, como os países escandinavos.

Aqui é importante uma ressalva: os testes de QI não são estáticos. O teste aplicado hoje não é o mesmo que há dez anos, que não era igual ao teste de cinquenta anos atrás. E isso existe para equilibrar a pontuação final.

É comum que pesquisadores apliquem testes antigos a pessoas de sua geração, e os resultados sempre apontavam para o crescimento do percentual obtido conforme os anos passavam. Tem até um nome para isso: efeito Flynn.

Salve o tempo de tela nosso de cada dia

James Flynn, psicólogo americano, identificou tal constante em 1982. Em suma, cada geração superava em cerca de 10 pontos os resultados das gerações anteriores, o que levou o pesquisador a concluir que o aumento se dava por conta da melhora nas condições de ensino, na nutrição e no acesso a “ambientes mais estimulantes”, entre outros fatores.

O índice Flynn manteve-se constante nas décadas seguintes — até apontar recuo nas medições mais recentes, justamente na vez da Geração Digital: se as crianças de hoje desfrutam de condições melhores (em tese), o que as levaria a desenvolver QI menor em relação ao de seus pais?

A resposta parece apontar inescapavelmente para as telas, embora não seja o caso demonizá-las. Voltando a Desmurget, que escreveu o livro com o categórico título A Fábrica de Cretinos Digitais, é preciso reconhecer inúmeras qualidades proporcionadas pelas tecnologias de nosso tempo, mas também é urgente encontrar respostas para o “uso empobrecedor” que a maioria de nós faz delas. Programas repetitivos, criação de bolhas, materiais rasos ou inconsistentes: quem de nós nunca questionou a superficialidade dos conteúdos que nos bombardeiam de todos os lados?

A isso se somam outras características (baixa interação social, exposição excessiva às telas, subdesenvolvimento da linguagem, etc.) que fizeram da Geração Digital menos propensa à exploração do mundo físico, onde uma parte essencial do desenvolvimento cognitivo se dá.

As pesquisas são taxativas: quanto maior o tempo de tela na infância, menor o desenvolvimento do QI. O neurocientista francês ressalta alguns efeitos negativos da Era Digital que podem atrapalhar no desenvolvimento cognitivo, dentre eles, o déficit de atenção, o sedentarismo excessivo, a perturbação do sono (ou alguém aí acha que nossos avós dormiam tão mal quanto nós?), etc.

A geração dos graduandos em sedentarismo

Antes que você bloqueie o celular e vá fazer uma caminhada, os testes de QI não são, por si mesmos, indicativos de uma sociedade mais ou menos feliz. Muito menos garantem emprego ou bons relacionamentos. Além disso, seria ilusão ululante achar que é possível frear a evolução tecnológica. Assim, constatar a diminuição do QI geracional parece nos levar ao questionamento: dá para ser diferente?

Antes de responder, saiba que se somarmos o tempo de tela a que uma pessoa fica exposta diariamente desde o nascimento até os 18 anos, ela terá ficado o equivalente a (prepare-se!): 30 anos letivos em frente às telas! O que podemos fazer com essa informação?

A resposta é individual, e se aplica de muitas formas, mas parece apontar para o modo como usamos as ferramentas de que dispomos. Sim, parece papo de coaching, mas que tipo de posts você anda curtindo ultimamente? Quanto tempo você gastou lendo até aqui? De que forma essa informação lhe ajudou? Sua postura na cadeira está ok? Perguntas do gênero são cada vez mais necessárias, não porque aumentarão nosso desempenho em um teste de QI, mas porque nos deixarão cada vez menos passivos diante das redes e telas.

Ah, e é claro, talvez o mais importante: você se lembra da criança que deixamos lá no primeiro parágrafo? Pois é, ela ainda está lá… Não posso terminar este texto sem resgatá-la da passividade, tirar dela o celular, abrir a porta e dizer: vamos ver o dia lá fora!


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