Eu já fui uma leitora que torcia o nariz para autores contemporâneos. Olhava desconfiada para as obras de escritores novatos e desconhecidos, especialmente as autopublicações — em parte, por preconceito literário, mas também por implicância. Com a mesma velocidade em que acumulamos livros não lidos, se acumulam antipatias e estereótipos dos quais é complicado se livrar.
Sei o quanto é difícil fugir dos preconceitos, pois durante toda a vida escolar ouvimos falar da importância dos clássicos e dos grandes cânones — em sua maioria homens europeus. O que não era considerado “alta literatura” acabava sendo desprezado. De tão difundidas, tais ideias acabam sendo assimiladas e fica difícil fugir da máxima: autor bom é autor morto do século passado.
Numa coluna mais antiga falei sobre a dificuldade ao entrar em uma livraria e escolher um livro diante de tanta oferta. Nestas horas, o que se costuma fazer é apostar no que é mais garantido: os best-sellers (que não por acaso ocupam lugares de maior destaque) e os clássicos. A maioria não quer arriscar levando um autor pouco conhecido — sem falar que muitos escritores contemporâneos nem entram nessa disputa, pois não têm espaço nas grandes livrarias.
Fui mudando minha relação com os contemporâneos aos poucos, a cada participação em oficina de escrita, a cada fragmento de texto produzido. Cada uma dessas experiências me abriu um pouco mais para uma potência até então desconhecida.
Tem algo de mágico nestes espaços, onde colegas criam, em minutos, relatos contundentes, textos emocionantes com finais inesperados, poemas viscerais ou crônicas bem humoradas. Percebi a grandeza das produções de autores anônimos, ao mesmo tempo em que travava as minhas próprias lutas com as palavras.
De tudo que ouvi e senti durante este período (e que ainda sinto nas oficinas e nos encontros do coletivo ruídorosa), surgiu um respeito imenso aos escreventes de todo tipo — além de uma torcida silenciosa para que mais livros incríveis encontrassem formas de acontecer.
Após ter presenciado o nascimento de textos e poemas de grande qualidade literária, penso que ler o nosso tempo através dos olhos destes autores tem vantagens adicionais. Neste mundo atribulado, de relações líquidas onde o tempo escorre pelos dedos, encontrar um autor que compartilha das nossas inquietações (e consegue transformar isso em palavras) é um ganho e tanto.
Anne Lamott tem uma citação muito bonita que corrobora o que venho tentando dizer:
“Para ser um bom escritor, não basta apenas escrever muito, você também deve se importar com as coisas. Não é preciso ter uma filosofia moral complicada. Mas, na minha opinião, um escritor sempre tenta ser parte da solução, entender um pouco a respeito da vida e transmitir esse entendimento”
Sem nenhuma pretensão didática — afinal estamos no mesmo barco e sujeitos às intempéries da modernidade — nossos contemporâneos nos ajudam a desconstruir e a colocar alguma ordem nas ideias. Claro que isso também acontece com textos clássicos e canônicos, muitos permanecendo incrivelmente atuais por tratarem de temas universais e atemporais como as paixões, inveja, traição, desejo de aceitação, entre outros.
Como bem colocado por Henry James: “O escritor é uma pessoa para quem nada passa despercebido” (trecho citado por Anne Lamott no livro Palavra por Palavra). Essa atenção ao entorno se materializa em narrativas envolvendo as novas formas de relacionamento. São amores que nascem nas redes sociais, em encontros no Tinder, entre casais homoafetivos, ou casos de poliamor.
A literatura acompanha a mudança de valores e aos poucos vai legitimando novas formas de pensamento. Como leitores, só temos a somar com a oferta de livros de autoria feminina, negra, indígena e LGTBQ+.
O que a gente “ganha” ao ler autores contemporâneos? A teórica Leonor Arfuch responde: “E é sem dúvida a literatura que tem trabalhado com maior fortuna a forma de dizer, a palavra como modo de recuperar o refúgio, de abrigar a nudez, de reencontrar a dimensão poética da existência”.
Como apoiar autores contemporâneos?
Além do caminho mais óbvio, que é adquirindo livros de autores contemporâneos, há muita coisa que podemos fazer e que exigem apenas tempo e boa vontade. Eis algumas dicas:
▪ Assine, divulgue e compartilhe Newsletters. Espaço do textão por natureza, é onde o pessoal que produz conteúdo autoral anda se refugiando, fugindo do atropelo dos algoritmos e dos vídeos sem graça. (dica da editora: aproveite e assine a newsletter Bilhetinho Azul, mantida pela Patricia Dias)
▪ Conheça e apoie Coletivos de escritores. E, de novo, apoiar, não necessariamente com dinheiro. Faça o básico: curta, comente, compartilhe. (dica da editora: siga o Coletivo Farfalharia no Instagram)
▪ Leia, assine, baixe e compartilhe publicações independentes. Existe uma série de revistas, zines, e-books e coletâneas, para serem consumidas online (e com custo zero!)
▪ Dê feedbacks positivos. Ok, não precisa rasgar seda ou jogar confete, nem tudo que está disponível tem qualidade literária. Não precisa elogiar e recomendar, caso não tenha gostado. Mas se você gostou do que leu, deixe um comentário para quem escreveu, porque é assim que a roda entre escritores e leitores gira.
▪ Apoie ações dos independentes. Um autor iniciante precisa de visibilidade. Sempre que possível, apoie suas iniciativas.
▪ Ouça o podcast com seus contos autorais. Baixe o e-book disponível gratuitamente. Poste foto e resenha do livro. Indique para amigos. (dica da editora: ouça o podcast Abismos para Evitar Ruínas, da Monique Bonomini)
Clube do Livro Independente
Pensando em outras formas de apoiar autores e autoras, vou iniciar em abril, em parceria com a Têmpora Criativa, o Clube do Livro Independente — um Clube voltado à leitura de contos de autores independentes ou publicados por pequenas editoras.
A proposta é criar um Clube de Leitura gratuito, com encontros mensais, em que o conto será lido na hora. Contamos com a presença do autor, e sua disponibilidade de compartilhar um de seus contos.
Autores que queiram participar com seus contos poderão se candidatar durante o período de seleção, que será divulgado em breve.
Vale lembrar que o Clube do Livro Independente é um projeto piloto e estamos (eu e a Têmpora) fazendo uma aposta neste formato — uma aposta que seja produtiva e nos leve a conhecer novos autores.