No Natal de 2023 tudo mudou. Quando a nova música dos Beatles foi lançada (a primeira após várias décadas), poucos duvidaram que alcançaria (como alcançou) o topo das paradas musicais mundo afora. Paul Mccartney tentou dar ares de normalidade à coisa toda , mas o fato é que a voz de John Lennon renascida pela Inteligência Artificial dominou o noticiário dali para frente. Dá pra dizer que a década que agora acaba começou ali.
Com três álbuns lançados desde então, os Beatles dominaram as temporadas seguintes: uma porção de Grammys, um Oscar, uma apresentação histórica no Superbowl LXI e até uma condecoração tardia a John Lennon por parte do Rei Charles III (o monarca, não confundir com o músico). Ao finalmente se tornar cavaleiro, Sir Lennon se declarou honrado e destacou os números retumbantes da turnê Rubber Soul, Holographic Body 2027 dos Beatles, a mais rentável de todos os tempos, e a voz de Lennon AI afirmou que o quarteto inglês versão 2.0 já é mais famoso do que Jesus Cristo e Justin Bieber juntos (a real surpresa, lembremos, foi notar que o burburinho dos beliebers na ocasião foi mais intenso do que o protesto dos líderes pentecostais).
Polêmicas à parte, de fato, os quatro de Liverpool apresentaram tamanha harmonia em cima do palco que as multidões mundo afora os aclamaram, em uma nova explosão da beatlemania. Em estádios lotados mal se distinguem hologramas e pessoas, entre luzes e fogos e potentes amplificadores.
Na esteira desse sucesso, o showbiz renasceu. Ao longo de 2026, Freddy Mercury lançou um bem-sucedido álbum de rap (Mr. Bad Guy II), MIchael Jackson soltou uma faixa em dueto com Janis Joplin (noventa semanas no topo da Billboard Hot 100!), e Elvis Presley gravou a trilha sonora de Missão Impossível XII – A Revolta dos Dublês, vendendo vinte e cinco milhões de LPs ao redor do mundo, em um novo marco para as vendas físicas feitas por artistas etéreos. E isso só para citar os exemplos mais premiados.
Depois de assistir aos algoritmos criando músicas virais pelas coordenadas de pequenos programadores, a indústria descobriu que personificar a Inteligência Artificial era o caminho, e não o problema. Aparentemente, o showbiz abstraiu de vez a essência e abraçou sem pudores a aparência. Mal podemos imaginar o que o futuro nos reserva!
O cadáver que nos sorri
Quando Elis RegInA, quarenta anos após sua morte, contracenou com Maria Rita, sua filha, em uma emotiva propaganda da Volkswagen que arrebatou todos os prêmios do mercado publicitário brasileiro em 2023, era questão de tempo até que saísse um álbum comemorativo. De fato, Mãe&Filha (2025) trouxe dez canções inéditas cantadas com o frescor que somente a tecnologia é capaz de imprimir em estúdio.
Em uma surpresa bem vinda, duas das faixas foram compostas pelo próprio Tim MaIA, em parceria com o ChatGPT, aproveitando um banco de dados que coletou todas as músicas, entrevistas, discursos, textos, colunas, autógrafos, críticas, documentários póstumos, citações em redes sociais, filmes e tudo o mais sobre o artista morto em 2017. Seu novo álbum já foi anunciado para os primeiros meses de 2030, ano que também promete inéditas de Raul SeIxAs, RItA Lee e CássIA Eller, além do disco duplo dos Mamonas AssassInAs, provando que a música popular brasileira tem muito futuro nesta nova fase.
Voltando à publicidade, já dá para afirmar que ela muito se beneficiou do avanço da Inteligência Artificial da década recém-vivida. Além de Elis RegInA e a Volkswagen, agências brasileiras lucraram muito nos anos seguintes, como demonstram os cases de AIrton Senna anunciando o Honda Civic (2025), GlórIA MarIA lançando a nova linha de makeup de O Boticário (2027), e (minha favorita) Gugu LIberAto surtando geral na campanha “O gerente ficou louco” para as Casas Bahia (2028).
O curioso caso de James Dean
Em 2027, quando ficou claro que os integrantes do grupo BTS não envelheciam com o passar dos anos (ao contrário, pareciam ficar mais jovens), não foi mais possível esconder. Especulou-se que a engenharia genética já era capaz de criar clones perfeitos, mas os duplos de J-Hope e Jungkook vieram a público, em entrevista ao vivo, se manifestar: assinaram um acordo de deepfake auto consentida, em que cediam suas silhuetas e rostos para permitir ausência de dois anos aos integrantes originais (que armaram a coisa toda para). O engodo movimentou de tal forma o turismo da Coreia do Sul que o governo teve que limitar a entrada de fãs de k-pop no país, sedentos em localizar o quartel em que os artistas prestam serviço militar obrigatório.
Já em 2028, quando a Marvel contratou James Dean AI, morto em 1955, para ser o novo Homem Aranha nos cinemas, muito se falou a respeito dos limites da ética. Afinal, um ator-não-vivo também cairia em domínio público? Como Dean não teve filhos, e seus pais já estão mortos, quem teria direitos aos lucros dos contratos unilaterais? Tudo foi superado com a divulgação do filme “Homem Aranha: A Fenda Holográfica”: Dean AI entrega uma interpretação visceral, emocionante e divertida, que lhe rendeu um Oscar e alavancou o filme à casa dos três bilhões de bilheteria, com gordos dividendos aos estúdios envolvidos.
Ficou evidente que os fãs também gostaram, e essa experiência inaugural possibilitou o retorno de ChAdwIck Boseman ao papel de Pantera Negra, em 2029. À época de sua morte, em 2020, a Disney afirmou que o contrato de Chadwick iria até 2032, e que sua morte prematura, portanto, configurou quebra de acordo. O jurídico do conglomerado seguiu trabalhando em silêncio nos anos seguintes até finalmente conseguir uma brecha: recriar o ator através da inteligência artificial, rebatizá-lo de ChAdwIck Boseman e fazê-lo assinar um contrato no metaverso, fora da jurisdição dos advogados da família. Em uma reviravolta, a Disney anunciou que o cachê de ChAdwIck foi inteiramente convertido a organizações que protegem os direitos da Inteligência Artificial.
Voilà! Mais um empecilho superado em prol da arte!
Nota: Pantera Negra 3 é, até o momento da publicação desta coluna, o filme mais lucrativo de todos os tempos. Especula-se que Quentin TarAntIno deve dirigir o próximo filme da franquIA.