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Psicopolítica: A Ascensão do Controle Digital sobre a Mente

Psicopolítica: A Ascensão do Controle Digital sobre a Mente

No texto Psicopolítica, do livro “No enxame: Perspectivas do digital” (2018), o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han propõe uma análise crítica sobre como as tecnologias digitais e o Big Data reconfiguraram os mecanismos de poder na sociedade contemporânea.

Partindo das reflexões de Michel Foucault sobre o biopoder — forma de controle que, a partir do século XVII, substituiu o poder soberano baseado na ameaça de morte por uma gestão da vida (saúde, reprodução, produtividade) —, Han argumenta que vivemos uma nova era: a da psicopolítica. Enquanto o biopoder atuava sobre corpos e comportamentos visíveis, a psicopolítica penetra a mente humana, monitorando e influenciando processos psicológicos inconscientes (psyche) por meio de ferramentas digitais.

Do Biopoder ao Psicopoder: A Digitalização do Controle

Foucault descreveu o biopoder como uma técnica de dominação que administra populações por meio de instituições como hospitais, escolas e prisões, regulando fatores como natalidade, mortalidade e saúde. No entanto, Han aponta que esse modelo, embora eficaz, limitava-se ao exterior — não alcançava a subjetividade ou os pensamentos. O panóptico de Bentham (ver, Vigiar e Punir de Foucault), símbolo da sociedade disciplinar, vigiava ações, mas não a mente.

A virada ocorre com o advento do panóptico digital. Plataformas como redes sociais, mecanismos de busca e dispositivos conectados coletam dados em tempo real, mapeando não apenas o que fazemos, mas como pensamos. A vigilância deixa de ser ótica (como no panóptico tradicional) para se tornar algorítmica e “aperspectivista”, ou seja, não depende de um observador humano.

O Big Data permite correlacionar padrões de comportamento, antecipar desejos e até modular escolhas. Chris Anderson, citado por Han, defende que a análise maciça de dados torna teorias sociais e psicológicas obsoletas: “os números falam por si”. A correlação substitui a causalidade, e o “porquê” das ações humanas é eclipsado pelo “como” quantificável.

O Inconsciente Digital e a Totalização do Poder

Han recorre à ideia de Walter Benjamin sobre o “inconsciente ótico” — revelado pela câmera, que capta detalhes imperceptíveis ao olho nu — para propor um inconsciente digital. O Data Mining expõe padrões coletivos de comportamento dos quais nem mesmo os indivíduos têm consciência. Redes sociais, por exemplo, identificam tendências emocionais ou políticas antes que estas se articulem racionalmente. Assim, o psicopoder não só monitora, mas modela a psique, explorando impulsos, medos e desejos ocultos.

Essa lógica, segundo Han, tem traços totalitários. Se o biopoder gerenciava a vida, o psicopoder invade a liberdade interior. Empresas como a Google e a Meta, por exemplo, ao preverem comportamentos, tornam-se arquitetas da subjetividade, substituindo a coerção física por uma manipulação sutil e internalizada. A “transparência” exigida pela sociedade digital na qual todos se expõem voluntariamente é, na verdade, uma armadilha: os dados gerados são matérias-primas para controle.

A Crise da Autonomia

Han alerta que a psicopolítica ameaça a autonomia humana. Ao transformar pensamentos e emoções em algoritmos, o poder psicopolítico dissolve a fronteira entre público e privado, entre o eu e o sistema. A liberdade, nesse contexto, torna-se ilusória: mesmo agindo por “vontade própria”, o indivíduo reproduz scripts pré-determinados por modelos de dados.

A era da biopolítica, centrada na vida física, cede lugar à psicopolítica, que coloniza a mente — um controle mais refinado, eficiente e, por isso, mais perigoso. Nas palavras do autor: “A era da biopolítica está, assim, terminada. Dirigimo-nos, hoje, à era da psicopolítica digital”.

Em suma, o texto propõe uma atualização do conceito foucaultiano e um alerta sobre como a digitalização do poder redefine o que significa ser livre em uma sociedade hiperconectada. A questão central é: como resistir a um regime que nos controla não pela força, mas pela sedução dos dados?


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