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Cada livro no seu tempo

Quero contar sobre um livro-brotamento. Falar de um encontro que virou susto que virou ideia. Ser fora de lógica, porque estou cansada de ser-certeira. Está tudo aqui, aprendido: como desfazer nós de palavras. Mas hoje é dia de desmanchar a cartilha autoimposta e catucar minha assinatura.

Os caminhos são muitos, os de escrever. Escreve-se para tanto e tudo mais; para ser, para afirmar, para defender. Escrita é misto de fala e silêncio, registro e desvario. Nos entremeios, fui escolhida por amontoados de livros, ainda na infância, “venha pelo desejo-de-ser” e fui, dessabida do que seria. E é mais ou menos assim que o fazer-livro se meteu dentro de mim.

Fazer-livro no nosso espaço-tempo de nascença, viagem insensível. Cada título nasce entre um “a gente se vira” e outro “talvez alguém leia”. Pra quê? Será? Mais um? Ego-habilidade de se manter motivada entre levantar e sacudir a poeira. Preste atenção no agora; as respostas ficam para depois.

Mundo prático, insegurança na entrega ao “inútil” da literatura. Mas a potência de vida estava ali, dando tapas na minha cara, carcomendo as minhas entranhas, repostando nas memórias de curto prazo FAÇA! FAÇA A PORRA DO LIVRO! e eu adiando, adiando e tricotando traumas para justificar imobilidades.

E-di-tal, palavra disparo dramático que, unida aos termos “licenciamento” e “dinheiro”, podem mover qualquer herói-artista brasileiro da zona de autossabotagem. E foi assim, no susto, que me vi flanando por entre nuvens digitais em busca de amarrações temáticas para o tal vir-a-ser livro.

(Primeiro aviso: flashback contextual)

2014, A Sala de Banho. Naquele instante-já, bastava juntar o amontoado da gaveta (ainda escrevia para guardar em gavetas) e tornar público. Mas o tempo, essa máquina de nos tornar mais sábios e menos espontâneos, me responsabilizou de o próximo ser melhor que o anterior.

(Segundo aviso: desvio de chamado)

Livro publicado é artefato mágico, permissão-de-ser escritora. Uma vez a chama acesa, nem todo o papel é suficiente em combustível. Mas então, o quê? Cadê? “Venha pelo desejo-de-ser”, lembra? Mas não fui. Entre frestas-expectativas, tentativas de (também conhecidas como concursos literários) e emoções mal calibradas, escorri seis anos.

(Terceiro — e último — aviso: glamour no fim do túnel)

Conto histórias a mim mesma. Escrevo bastante, mas nunca o suficiente. Cada novo texto é um passo na minha escuridão de nascença — luz é tornar-público o pensamento. Entre “devia ter escrito mais” e “talvez dê para montar um livro em quinze dias”, me vi com 23 contos. Vinteetrês textos gordinhos à espera de um bom banho e roupas novas. Desacreditei.

Fora do corpo que as geriu, as histórias conversaram entre si. No puxa-e-repuxa da busca temática, dez sobreviveram. Daqui, tardes de releitura e reescrita — com direito a reciclagem de boas ideias mal executadas — até transformar material bruto em tentativa de livro.

Nenhum livro nasce livro e nenhum livro nasce igual. Cada escolha de palavra é um efeito borboleta. O glamour, quando há, está no tornar-público. É prazer partilhado esse, da escrita-leitura, que nasce em mim esperando chegar em alguém. Por isso a dúvida, por isso o medo, por isso a contenção. Por isso o embate entre desejo-de-ser e vida-que-clama.

Cada livro tem seu tempo. Livro-brotamento; de contos, o segundo. Nasceu sem intenção de ser-além, mas agora está, vibrando enquanto houver tinta digital. Disponível e disposto a te fazer mergulhar em breves histórias-limite, sem pedir moeda de troca.


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