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Salvar o fogo imagem de divulgação

É permitido alimentar escritores best-sellers: leitores, likes e fãs literários

No próximo dia 24, quando as livrarias de todo o país abrirem suas portas para iniciar as vendas de Salvar o fogo, novo livro do aclamado Itamar Vieira Junior, a publicação já contabilizará mais de trinta e cinco mil exemplares adquiridos em pré-venda (boa parte dos quais em elegante edição em capa dura).

Se você for hoje até uma das livrarias parceiras da Editora Todavia espalhadas pelo país e adquirir seu exemplar antes do início oficial das vendas, receberá um pôster exclusivo. Salvar o fogo figura na lista dos mais vendidos de fevereiro e março, ao lado do onipresente Torto Arado, que está lá desde o final de 2020.

Se você estava sem entender a razão de tamanha procura por um livro ainda em pré-venda, certamente compreendeu quando leu Torto Arado. Estamos falando de um acontecimento na literatura brasileira: além da penca de premiações importantes (Prêmios Leya, Jabuti e Oceano) e dos cerca de quatrocentos mil exemplares vendidos, Torto Arado virou parte da cultura pop nacional, com depoimentos emocionados de artistas após a leitura do livro, compartilhamento incessante de memes em redes sociais (Você já leu Torto Arado?) e grupos de desconhecidos se juntando online para criar comunidades de fãs do livro.  Isso mesmo: um livro altamente elogiado pela crítica conseguiu a proeza de ter (literalmente) fãs de carteirinha. O @tortoaraders chegou a reunir o escritor Milton Hatoum e o próprio Vieira Junior em uma live de aniversário. Recentemente, o @tortoaraders foi citado pela Folha de São Paulo como “impulsionadores da pré-venda recorde” de Salvar o fogo.

Viver de escrita: realidade ou fantasia?

Esse raio que acerta simultaneamente as cabeças de público e crítica é raro na literatura. No recorte da literatura nacional, precisaremos voltar muito no tempo para encontrar paralelos (se é que conseguiremos).

O filho eterno, em 2007, também multipremiado,deu a Cristovão Tezza lugar de destaque no panteão de romancistas brasileiros, inclusive com adaptações bem sucedidas para o teatro e o cinema, além de permitir ao autor “viver só de escrita” (essa frase de que muito se ouve falar, mas raramente se confirma no plano da realidade). Nem de longe, porém, teve penetração em redes sociais (em um momento de possibilidades reduzidas, diga-se) ou mesmo furou as bolhas do que se costuma considerar alta literatura.

Quando João Ubaldo Ribeiro vendeu mais de trezentas mil cópias de seu A casa dos budas ditosos, publicado no longínquo ano de 1999, estava já com a carreira consolidada. Além disso, naqueles tempos pré-redes sociais, o poder do marketing das editoras contava muito mais do que hoje. O livro em questão fazia parte de uma série literária de sucesso na qual grandes escritores escreveram sobre os pecados capitais.

Mas e o Paulo Coelho? Não vamos falar de O Alquimista?

Hoje muitos autores se valem das redes para divulgar e mesmo vender seus livros. A escritora Aline Bei, por exemplo, divulgou seu livro O peso do pássaro morto de maneira direta via Instagram, e transformou uma tiragem inicial de três mil livros em vendas na casa dos trinta mil exemplares. Seu caso não é raro no meio editorial contemporâneo.

Ao contrário de 2023, quando best sellers estrangeiros de não-ficção dominam os rankings, nos anos 1990 os livros de escritores nacionais estavam bem mais presentes nas listas de mais vendidos. Era possível encontrar autores como Rubem Fonseca, Marcelo Rubens Paiva, Rachel de Queiroz, Jorge Amado ou José Roberto Torero nas prateleiras dos mais vendidos. Havia também aqueles que transitavam entre o comercial e o literário, como Jô Soares e Chico Buarque, cujas vendas eram turbinadas pelos fãs dos autores. E havia o Paulo Coelho

O autor de Diário de um mago é o cisco no olho de todo literato. Há os que leem e amam, e os que odeiam (sem ler); há, sobretudo, os que leem tentando entender o fenômeno do escritor brasileiro mais vendido no mundo (se Torto Arado surpreende ao se aproximar do meio milhão de exemplares, preciso contar que em 2008 Paulo Coelho superou a marca dos CEM MILHÕES de exemplares de seus livros).

Cito este artigo de Marcelo Rubens Paiva: Paulo conquistou seu status “querendo muito vender e trabalhando para isso: palestras, entrevistas, contratos que estipulam quantias para o marketing, viagens e a paciência de autografar milhares de exemplares em feiras de livros, pelos sete rincões”. Coelho fez isso no fim dos anos 1980, chegando ao ápice na década seguinte.

A sensação que fica é que hoje, mais de trinta anos depois, o perfil de escritores que não têm pudor de divulgar a própria obra está em ascensão — dessa vez trazendo regularmente o aval da crítica especializada.

“Falem bem, mas falem de mim!”

Em geral, tende-se a achar que o esforço para angariar o grande público sacrifica o viés artístico da obra (quem nunca foi ver um filme e saiu dizendo: “prefiro o livro”?). Há como conciliar qualidade literária com a caça aos likes e views?

Salvar o fogo ainda passará pelo teste da crítica. As campanhas da Editora Todavia, porém, não se ressentem de utilizar o premiado Torto Arado como mote para vender o novo livro. Além disso, Vieira Junior parece ter embarcado de cabeça na divulgação. Sob intensos holofotes, o autor de personalidade serena e introspectiva manterá a disposição de divulgar massivamente suas obras?

A mim, que só cabe especular, não posso deixar de observar que, independentemente do teor das resenhas ao novo livro, estamos diante de um caso raríssimo de fama meteórica alcançada por um escritor de fora do eixo (RJ-SP), na minúscula bolha literária e na imensurável bolha das redes sociais. Vieira Junior foi ao Roda Viva, virou colunista da Folha de São Paulo, cedeu direitos para série na HBO, viu seu livro virar música e conquistou quase cem mil seguidores no Instagram (isso é o dobro do que outras escritoras e escritores conseguem quando trabalham bem na rede, como a já citada Aline Bei). E eu, fã de carteirinha da literatura, só posso aplaudir um escritor com a estética e a temática de Vieira Junior amealhar fãs Brasil afora.

Ok, nem todo escritor se sentirá confortável nas redes. Ou alguém aí já imaginou o Dalton Trevisan em live sorrindo junto com o Haduam Nassar? Há casos em que somente a obra falará por si, como tem sido na história da literatura. Eu ficaria atento, porém, aos casos em que a qualidade literária se alia ao sucesso comercial, em que um texto que levou mais de vinte anos para ser finalizado comove multidões de leitores que se identificam com uma história que muitos julgavam superada. E sigo atento, também, às escritoras e escritores que arregaçam as mangas, que rodam o Brasil em feiras literárias, apertando mãos e autografando exemplares, mais acessíveis do que a própria história que contam. Afinal, a literatura precisa sair da torre e colocar os pés no chão.

Declaro inaugurado o meme: 
– E você, já leu Salvar o fogo?   


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