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Entrando no estado de fluxo: um tributo à Mihaly Csikszentmihalyi

Aos 16 anos de idade um futuro psicólogo estava na Suíça, sem dinheiro para viver os “prazeres” da terra do chocolate e do esqui, e descobre que próximo dali haveria uma palestra gratuita sobre discos voadores. Achando o tema divertido, e sem grana, ele decide ir

Chegada a noite, o jovem escuta atentamente cada palavra do palestrante. Este, por sua vez, não falava sobre alienígenas do espaço — pelo contrário, defendia uma tese de como a psique dos europeus fora traumatizada pela Segunda Guerra Mundial e, por conseguinte, projetavam OVNIs no espaço, como uma tentativa de encontrar ordem no caos.  

O ano era 1950, e o jovem mal sabia, mas o palestrante daquela noite era Carl Jung. Dali em diante estava claro que sua vida seria dedicada a compreender o ser humano e qual é o propósito da vida. 40 anos depois, um dos seus livros, Flow: The Psychology of Optimal Experience, tornou-se uma das mais importantes obras da psicologia positivista

Sim, estamos falando dele, “o pai do Flow” o polímata, psicólogo e acadêmico 
Mihaly Csikszentmihalyi, que faleceu no último dia 20 de outubro, aos 87 anos, deixando um legado imenso para as teorias da criatividade. 

A Teoria do Fluxo (Flow Theory), como é conhecida, começou a ser desenvolvida na década de 1970, quando Csikszentmihalyi investigava quais os elementos eram capazes de provocar felicidade em nós, seres humanos. 

O estado de fluxo, tem como preceito a observação da qualidade do engajamento de uma pessoa na realização de uma tarefa. Este fluxo é o estado do envolvimento na atividade e se relaciona com o equilíbrio entre as habilidades que possuímos para alcançar uma meta, com o nível de desafio e com o alto grau de concentração

Desta forma, quando estamos escrevendo um texto ou compondo uma música, por exemplo, ao envolvermos todas as nossas habilidades para concluir aquela tarefa estamos na verdade deixando fluir. Este estado, que envolve íntima relação entre a energia psíquica e física, provoca a sensação da “perda das horas”. Ficamos tão envolvidos com um afazer que não resta espaço para distrações de pensamento e sentimentos (ausência da autoconsciência). 

A criatividade, na visão de Csikszentmihalyi, pode ser compreendida como algo fundamental na evolução humana — pois, sem criatividade as coisas apenas são cópias, se repetem (sem a diferença deleuziana), logo não há transformação; a novidade inexiste.  

Quando estamos envolvidos em uma atividade criativa, ocorre uma sensação de prazer e satisfação. Esse prazer e felicidade proporcionada pelo fluxo nos torna mais completos do que em outros momentos. Em um dos vídeos falando sobre o fluxo ele diz: 

“Para se envolver totalmente em uma atividade por si mesma, o ego desaparece. O tempo voa como no voo. Cada ação, movimento e pensamento segue inevitavelmente o anterior, como ao tocar jazz. Todo o seu ser está envolvido e você usa suas habilidades ao máximo”.

Para Csikszentmihalyi, pessoas criativas geralmente possuem uma personalidade autotélica, ou seja, elas se realizam pelo valor intrínseco da produção e não pelas recompensas almejadas. Já a criatividade pode ser definida como as diferentes áreas do conhecimentomodificadas culturalmente

 O Estado de Fluxo 
Partindo destas afirmações, Csikszentmihalyi propõem um modelo sistêmico da criatividade, onde esta somente pode ser observada na inter-relação entre o domínio, a prática em que o indivíduo atua; o campo, onde especialistas vão identificar a criatividade; e o indivíduo, que precisa adquirir as competências de determinada área.

Precisamente, a criatividade necessita que um conjunto de normas e práticas sejam passadas do domínio (cultura) para o indivíduo (experiências pessoais). Este, por sua vez, é quem passará a produzir a diferença (variação) no conteúdo. Essa diferença (novidade) é selecionada pelo campo (sociedade, que estimula a criatividade) que a inclui no domínio. 

Em Finding Flow, ele descreve uma prática que podemos implementar desde agora: 

Viver significa experimentar — fazendo, sentindo, pensando. A experiência ocorre no tempo, portanto, o tempo é o último recurso escasso de que dispomos. Com o passar dos anos, o conteúdo da experiência determinará a qualidade de vida. 

Portanto, uma das decisões mais essenciais que qualquer um de nós pode tomar é sobre como o tempo é alocado ou investido. (…) à medida que a vida se desenvolve, como escolhemos o que fazemos e como o abordamos [o tempo] que vai determinar se a soma dos nossos dias se soma a um borrão amorfo ou a algo que se assemelha a uma obra de arte.

No ano de 2011, Csikszentmihalyi recebeu o Prêmio Széchenyi por sua pesquisa em educação para o desenvolvimento, criatividade, talento e habilidades e pelo desenvolvimento da teoria do fluxo. Suas pesquisas atualmente são utilizadas em diversas áreas do conhecimento, principalmente aquelas atreladas aos estudos de cognição como a música, a literatura e os esportes. 

Parte deste texto estava sendo elaborado para o nosso podcast Criativar, mas como ele levaria algum tempo ainda para ser produzido decidimos publicá-lo antes aqui no Lambrequim

Fica registrada nossa singela homenagem. Obrigado Miha! 


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