Os números, os marcos, os ciclos. Não à toa estamos sempre contando, e a proximidade com a edição 100 do Lambrequim tem me feito pensar no porquê começamos essa newsletter e a mantivemos nessas quase cem semanas incidentais e ininterruptas.
Sem querer (ou não) eu e o Menin canalizamos nossa necessidade de nos comunicar para além das redes sociais em um dos nossos projetos mais importantes dos últimos anos. Manter o Lambrequim nos encheu de disciplina, nos fez pesquisar sobre vários assuntos e nos ajudou a desabafar — e tudo isso sob os olhares atentos de uma média de 400 leitores semanais.
Já falamos mais de uma vez: essa companhia, por vezes distante e silenciosa, é o que nos mantém escrevendo, semana após semana. Só temos a agradecer você que tira um tempo do seu dia para ler as nossas invenções.
Agora, falando de um ponto de vista mais pessoal, produzir o Lambrequim me transformou. Mesmo acordando e escrevendo, desde 2016, todos os dias, manter uma newsletter foi uma das práticas que causou maior impacto na minha escrita.
Além das minhas habilidades como escritora e revisora terem melhorado, a mistura dos fatores disciplina e público leitor me permitiram testar vários estilos de texto que hoje são parte do que considero a minha voz.
Se no início das Cismas eu só queria extravasar esse desejo louco que tenho de escrever para o outro, o que o Lambrequim me proporcionou foi uma conexão com esse outro-leitor que vai além da mera necessidade de escrever.
Hoje, antes da escrita propriamente dita de uma Cisma, vem a pergunta: o que tenho a dizer essa semana que tem o potencial de reverberar no outro-leitor?
O que acabei de falar não é tão diferente do que se fala no marketing digital, por exemplo. Humanizar, pensar em conexão, no outro, são ideias bastante difundidas entre as pessoas que querem divulgar qualquer coisa pela internet.
A grande diferença, no entanto, é a disposição para o mergulho — tanto o mergulho de quem escreve quanto o mergulho de quem lê. Um mergulho interno, desses de ficar um tempão olhando o céu se transformando pela janela.
Mas quantas vezes não me senti uma idiota fazendo esses mergulhos? Quantas vezes não acreditei que escrever deveria ser um ato mais pomposo, ritualístico ou técnico? Quantas vezes não achei que deveria fazer qualquer outra coisa da vida?
Esses dias uma amiga minha me contou que tinha superado o pânico de dirigir. Eu me espantei, porque a conheço há anos e não sabia que ela tinha o mesmo pânico que eu. Quando falei sobre a (infeliz) coincidência, ela me disse “mas isso não é uma coisa que a gente sai contando pra todo mundo”.
Acho que é a mesma coisa com a escrita. Talvez se eu não falar “me sinto idiota quando passo um tempão olhando as nuvens no céu enquanto penso no que escrever” outra pessoa, que sente o mesmo, pode ficar bloqueada por anos achando que passar a maior parte do tempo refletindo faz dela uma autora pior.
Para que a escrita flua, não estar sozinha não é apenas um propósito, mas uma necessidade. Podemos pensar em vários níveis de companhia: amigos que escrevem, leitores (como no caso do Lambrequim), coletivos de escritores, grupos de escrita ou até mesmo livros sobre escrita.
No entanto, não basta só estar perto ou dizer a coisa certa. A escrita tem caminhos estranhos e, mesmo que a gente se gaste em definições sobre iniciantes e veteranos, a verdade é que as trocas sobre escrita batem diferente em cada um, independente da experiência acumulada.
Então, do que a gente mais precisa quando escreve é de redes de apoio. Às vezes, quando estamos muito tímidos para perguntar se outra pessoa se sente idiota como nós, essas redes de apoio são livros sobre escrita criativa. Outras vezes podem ser grupos de escrita, amigos e até coletivos, que se tornam o nosso alicerce para continuarmos escrevendo.
Por isso, para mim, manter o Lambrequim é tão revolucionário: porque você, lendo até aqui, faz parte da minha rede de apoio de escrita — e talvez eu faça, fiz ou farei parte da sua.
Para além de um monte de gente que escreve e se acha mais inteligente que todo o resto (não vou me iludir, sei que essas pessoas existem), a gente só continua escrevendo porque tem redes de apoio. Sem elas, vestimos os piores estereótipos de escritores, nos fechando em nossas mentes enquanto nos achamos geniais.
Há duas semanas, minha amiga (aquela mesmo, que superou o pânico de dirigir) me ofereceu carona. Quando desci, ela estava superfeliz: eu fui a primeira pessoa para quem ela deu carona depois de muito, muito tempo.
Continuo falando sobre escrita e escrevendo pelo mesmo motivo: porque enquanto abro o jogo e escrevo, supero meus bloqueios — e, com sorte, ainda posso dar carona para alguém.
P.S.: Se eu vou lidar com o meu pânico de dirigir? Daqui mais umas cem edições do Lambrequim a gente conversa.