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three multicolored jellyfishes

falseando a timidez

1.

No meio de gente sou impostora. Chego de mansinho, metade pedindo licença, metade pedindo desculpas, como se estivesse atrapalhando o fluxo, a conversa, o encontro. Tem vezes que a voz até falha, resquício da escola, quando chegava na sala de cabeça baixa, vestida da vergonha de dizer oi aos parados na porta, antes da aula começar.

2.

Penso em forma escrita, este é o fato. Das coisas mais íntimas, falo escrevendo. Tem coisa que verter em voz, sem antes passar pela concentração da palavra deitada é sinônimo de suplício. Me ensinaram (com tempo e paciência) a falar mais, a destrancar a voz, essa ligação mais direta com o de dentro. A falar ao menos das coisas mais simples. Mesmo assim, longe está da relação que tenho com a escrita: não sou apenas escritora, eu só sei falar quando escrevo.

3.

Sou uma observadora, uma turista, uma pessoa que não está integrada ao ambiente em que está. Isso vale para todo lugar, das viagens ao caminho pra casa. Sou a pessoa que observa e registra, como diz Anne Lamott. Tudo é experiência que me transcende e que precisa ser registrada, como se só pudesse alcançar com letras a coisa ao redor.

4.

É estranho existir em misto de timidez e observação quando se tem tanto desejo de dizer. Comum as palavras não saírem do jeito que eu esperava, e logo o cérebro vir com alertas sobre como seria mais fácil dizer se fosse escrevendo. Às vezes parece até que estou reescrevendo enquanto falo, repetindo frases e ideias com pequenas modificações. Quem me ouve deve me achar esquecida ou louca ou me conhecer o suficiente para saber que sou assim mesmo.

5.

Quero me justificar (e isso me é estranhíssimo) enquanto falo, como se a troca em si já não se explicasse sozinha. Quando travo, já quero logo dizer que travei, e quando me contradigo, também. Explico como introdução ao assunto, o que para o ouvinte deve ser terrivelmente chato. Quero me justificar, e ao dizer isso, já estou me justificando.

6.

Pessoas que falam bem, que interagem em grupos e conseguem comunicar o que querem através da fala = pessoas que recebem minha admiração. Eu as analiso em profundidade, como se as dissecasse com os ouvidos. É sério. Quero aprender como elas fazem, pra fazer também. Presto atenção nas ferramentas que têm, nos argumentos. Quando riem e quando param de falar. Quero absorver-lhes um tanto da magia.

7.

Essa coisa de ministrar oficinas e ser uma pessoa que fala na frente das outras, pensa num desafio. Às vezes ainda acho que alguém vai levantar e me apontar como falsária. A ironia é que entro em estado de fluxo enquanto falo sobre escrita, um estado delicioso de estar, por dentríssimo de mim, como se estivesse escrevendo. A primeira vez que tive isso simplesmente me separei do corpo, como se me visse de fora. Foi intenso.

8.

Depois de algum tempo em um grupo novo, começo a falar, sempre assim. E falo bastante até, tenho sede. Falsificar a timidez é um programa de vida, porque esse troço sempre me atrapalha. Deve ser um clichê de pessoa que escreve isso, de ter a voz meio atravancada. 

9.

Não é raro estar no meio de um grupo e ter a necessidade de observar de longe, como se eu não fizesse parte daquilo. Desejo ver como aquelas pessoas (muitas vezes pessoas bem de perto) interagem juntas no ambiente. Quero muito me lembrar daquilo, mas sem fazer parte. E vou te dizer: quando consigo captar a essência, é lindo.


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