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Feitio de repertório (ou do que é feita a bagagem)

Há pouco mais de quatro anos, jurei (a mim mesma) que nunca mais tentaria ingressar em um Mestrado — e se eu tivesse mantido minha promessa, não estaria me sentindo órfã agora.

Coleciono admirações entre as professoras e os professores que tive. Acompanhar aquela pessoa revelando um novo mundo diante dos meus olhos me fascina — e, quanto maior o domínio que a professora ou o professor tem sobre assuntos complexos, mais sou tragada pelo seu poder de abstração.

Na quarta série do ensino fundamental, enchi a professora Elaine de cartas, das quais não me recordo o conteúdo, mas certamente deviam ser apaixonadas. Eu tinha, por aquela mulher que me mostrou Faroeste Caboclo e outras músicas, verdadeira admiração. Ela era mais jovem que minhas professoras anteriores, e ostentava um cabelo volumoso com seus cachos castanho claro.

Na sétima série, fui ao céu com o incentivo que recebi da professora Mariângela e suas aulas denominadas Oficina de Escrita. Ela, uma visionária que (em 1999!) reservava parte das aulas de português para que sentássemos e escrevêssemos nossas histórias. Foi sob a sua tutela que escrevi minhas primeiras narrativas longas e li, pela primeira vez, meus textos em público.

Adulta, encontrei a professora Mariângela duas vezes: no lançamento do meu primeiro livro e no dia da inauguração da Têmpora Criativa. Nas duas ocasiões, chorei de emoção.

Do curso de inglês, me encantava o sotaque australiano da professora Sue, com seu bom humor e seus cabelos já brancos, e a ousadia da professora Andrea, que nos ensinava palavrões em inglês, colocava músicas da Alanis Morissete e me deixava escrever poemas ao invés de redações nas lições de casa.

No ensino médio, o professor Leandro falava muito sobre interdisciplinaridade, Aldous Huxley e Dream Theater. A paixão com que ele falava sobre biologia acendeu em mim o amor e a admiração pela natureza que carrego até hoje — além de ter me ajudado a transformar textos de apostilas didáticas em conhecimentos que ainda carrego comigo.

Por achar que o ensino era muito padronizado, me neguei a entrar em cursinhos.

Na universidade, já ciente do meu desejo de ser escritora, esperava encontrar no curso de Jornalismo, professoras e professores que pudessem me indicar caminhos. No entanto, depois de uma vida escolar cheia de admiração e abertura, trombei em um muro de frieza. Em quatro anos, nenhuma troca significativa — além da amarga lição de como ser ignorado em um ambiente que se admira.

Para limpar o trauma, fui para uma segunda graduação. Em Letras Japonês, a professora Mina, uma japonesa alta e de olhar elegante, abriu meu mundo para a literatura comparada e para os estudos culturais. Com a professora Márcia, encarei a literatura clássica japonesa e, por coincidência do destino, passeamos juntas em museus no Japão. Já a professora Satomi, a mais abnegada professora de japonês que tive, aprendi a beleza desse idioma que, apesar de não praticar mais, internalizei como uma parte importante da minha bagagem.

Certamente decepcionei essas três professoras quando, no último ano da graduação, abandonei o curso de Letras sem antes falar com elas.

Fora da vida acadêmica, encarei a música. Com o professor Tito, aprendi a tocar violão e cultivei uma amizade de sete anos, mas não forte o suficiente para resistir à polarização política. Com o professor Cássio (Menin), passei a entender os afetos da música, e me apaixonei a tal ponto pelo seu coração musical que me casei com ele.

Autêntica, apaixonada e espontânea: essa é a forma como o Cássio conduz suas aulas. Foi sendo sua aluna que, de alguma forma, também me vi professora. De repente, passei a acreditar que seria capaz de me colocar diante das pessoas e falar sobre escrita de forma apaixonada.

Ensinar, como dizem, é a melhor forma de aprender — mas se engana quem afirma isso pensando apenas no conhecimento a ser transmitido. Ensinando, aprendi sobre as pessoas, sobre a minha admiração pelas professoras e pelos professores que tive e também sobre mim mesma. Ensinar é doação — nem sempre fácil, nem sempre gratificante, mas sempre uma doação.

Durante a pandemia, fui professora — e ser professora foi o que me salvou e me deu propósito durante o isolamento.

Quando voltei a ser aluna, foi presencial. A professora Luci (Collin) é uma xamã que alimenta em nós a flama da poesia. Luci tem força e sensibilidade aguçadíssimas, que fazem dela uma professora com a habilidade cirúrgica de extrair o melhor de cada um dos seus alunos.

Foi o contato com a Luci que me fez quebrar o meu juramento. 

Agora, com o fim do meu primeiro semestre como mestranda, tenho comigo uma sensação de vazio que só o fim de um contato intelectual intenso é capaz de me causar. Já sinto falta das aulas da professora Paula, de suas histórias e sua habilidade magistral de relacionar reflexões filosóficas e linguísticas com exemplos do cotidiano — aulas que são verdadeiros eventos e que, concluída a disciplina, não poderei mais ouvir.

P.S.: essa Cisma nasceu do meu desejo de contar para a Paula o quanto gostei das aulas dela, o que demonstra que a pequena Mylle, que escrevia cartas para a professora Elaine, ainda vive em mim.


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