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Instapoetas: por uma escrita que caiba nas redes

Gostemos ou não, as redes sociais aceleraram a tendência da humanidade para a concisão. Alguns vestígios: a música popular, que há alguns séculos podia durar horas e era executada por orquestras com dezenas de integrantes, hoje é exibida por um só artista no palco, cantando canções de pouco mais de dois minutos a partir de bases eletrônicas pré-gravadas; no teatro atual, multiplicam-se os monólogos, peças onde uma grande atriz (ou ator) demonstra toda sua versatilidade em cena, acompanhada apenas pela iluminação e por um módico cenário; por fim (a lista seguiria por um bom tempo), na literatura contemporânea os romances muitas vezes têm a extensão de certos contos de antigamente, e fica cada dia mais improvável alguma editora publicar calhamaços como Em busca do tempo perdido, de Proust (em algumas edições, com mais de 2470 páginas de pura concentração).

Grosso modo, essa redução se dá por conta da correria da vida do século XXI, acrescida à concorrência desleal com os estímulos incontáveis proporcionado pelas telas. Como acontece desde que as coisas passaram a ter valor agregado ao invés de preço, as manifestações artísticas também não escapam da lógica que nos rege como sociedade. Em suma, para se destacar nesta nova realidade, é preciso falar a língua que os usuários querem ler.

No caso da literatura, uma forma de expressão em particular parece ter servido melhor a essa lógica: a poesia. Em redes que exigem textos curtos, primor estético e forte apelo discursivo, a (re)ascenção da poesia parecia questão de tempo. Não mais escrita pelo poeta maldito de outrora (que convertia a própria penúria em material para sua escrita), as poetas que hoje se destacam no universo digital denotam superação, plenitude e êxito – ainda que sigam versando sobre as dificuldades da vida.

Outra característica que parece favorecer a veiculação de poemas nas redes é a manutenção de uma temática principal. Os seguidores estão ali por conta de um estímulo inicial, que basicamente se reafirma a cada post. Imagina-se que ninguém espera acessar a página de Rupi Kaur no Instagram (@rupikaur_, com quatro milhões e meio de seguidores) e encontrar ali um soneto ou um haikai convencionais (ambos formas tradicionais, tanto métrica como tematicamente). A poeta indiano-canadense virou fenômeno global escrevendo versos livres, simbólicos, normalmente acompanhados de ilustrações e sob uma perspectiva predominantemente feminista. Em outras palavras, atrás da liberdade dos versos livres há um certo determinismo quanto aos temas. A especulação que fica é se tal enquadramento se dá por opção da poeta ou pelas características do espaço onde ela divulga seu trabalho.

Quem quer escrever um best-seller?

Quando Rupi Kaur explodiu no Instagram (no longínquo ano de 2017), o fenômeno se espalhou a outros países. Editoras passaram a buscar poetas que já conquistavam likes nas redes. Era questão de tempo até cunharem um nome próprio: Instapoetas, que já estão na segunda (ou terceira?) geração. O termo define basicamente quem publica poesia nas redes, em posts curtos, despretensiosos e com milhares de curtidas – e que publicam depois livros físicos com expressivas tiragens. Ou, em outras palavras, são aqueles poetas cujas publicações (de uma perspectiva bem comercial) já nascem best-sellers.

No Brasil, o livro de ficção mais vendido no ano de 2018 foi Textos cruéis demais para serem lidos rapidamente, do carioca Igor Gomes da Silva (diagramação de Gabriela Barreira).

Composto de versos curtos (às vezes frases), imperativos, buscando sintetizar a necessidade dos jovens contemporâneos de expressar sentimentos complexos em poucas palavras, são poemas que buscam criar a identificação instantânea (“isso é muito eu”), ou simplesmente marcar o @ de alguém (prática que é, talvez, a versão contemporânea do antigo hábito de escrever-versos-para-quem-se-ama). Para Igor e Gabriela, o sucesso na venda de livros físicos veio após dois anos de intensa divulgação nas redes. Atualmente, o @textoscrueisdemais no Instagram conta com mais de um milhão de seguidores.

Poesia é coisa de mulher?

Ryane Leão, a poeta de @ondejazzmeucoracao, explora versos livres em frases que se pretendem proverbiais, não raro com o viés de conselho. São poemas que cabem em um post (como todos os demais casos que aparecem neste texto). Ryane aborda o empoderamento, a ancestralidade, o racismo, a autoestima da mulher, entre outros temas ligados ao feminino. Depois de espalhar sua poesia em lambe-lambes por São Paulo e alguns blogs, expandiu seu alcance ao divulgar seus poemas no Instagram e, posteriormente, lançar a bem sucedida publicação de Tudo nela brilha e queima, em 2017, seguida de Jamais peço desculpas por me derramar, em 2019.  

Também navegando por temáticas femininas (mulheres representam mais de 80% do público de poesia nas redes), Mel Duarte divulga sua escrita não apenas na forma de imagem, mas também em declamações e leituras disponíveis em vídeo na sua página @melduartepoesia. Assinando também o perfil @slamdasminasSP, Mel já publicou seis livros, com destaque para o mais recente Colmeia: poemas reunidos, em 2021. Tudo isso sem se curvar aos caminhos convencionais de publicação imposto pelas editoras.

Destacamos ainda a @euliricas, da artista baiana Camila Lordelo, cujos poemas se aventuram mais pela linguagem, com jogos de palavras, aliterações e rimas, e se materializam ao enfeitar os mais variados objetos (pratos, taças, blusas, joias) vendidos na loja da marca; e também a coletiva @papel.mulher, que espalha (literalmente) a poesia de diversas poetas pelas mais variadas cidades através de lambe-lambes e também em posts do Instagram, onde conta com quase noventa mil seguidoras. Ao invés de destacar uma artista, a página prefere divulgar mulheres e suas tantas vozes sociais, e assim faz a difusão de centenas de poetas e versos potentes que detêm a fórmula mágica dos instapoemas: concisão e temática bem definida.

Para além de lançar tantos escritores no mercado editorial por uma nova via, a tendência dos instapoetas colabora também para formar interesse de muitas pessoas por poesia, essa expressão literária por vezes considerada tão inalcançável. Por aqui, seguimos especulando formas de cativar novos leitores de literatura em tempos de redes sociais. Da próxima vez que curtir um poema nas redes, lembre-se de marcar também o @ daquela pessoa que vai manter a engrenagem da poesia em movimento.

PS: E se você quer seguir um novo coletivo de poesia que também está no Instagram (ainda à procura dos milhares de seguidores), siga o @farfalharia, que distribui poemas multitemáticos em forma de post e que está finalizando o processo de publicação do primeiro livro, Enquanto folhas secas na relva.


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