É incrível como podemos concordar e discordar, na mesma medida, de um livro que acabamos de ler.
Lemos por diferentes motivos: em busca de novas histórias, de conhecimento, de distração, de reflexão ou, até mesmo, de respostas sobre nós e o mundo que nos rodeia. Quando eu, Mylle, peguei A civilização do espetáculo, do escritor peruano Mario Vargas Llosa, eu estava em busca de resposta sobre o mundo — em especial, sobre a sociedade em que vivemos. Ou, talvez, estivesse buscando algo mais do que isso: alguém com quem concordar.
O encanto começou logo no título. Depois da minha reflexão sobre as redes sociais, eu estava no clima de uma civilização do espetáculo. Disse sim, sim e SIM quando o autor afirmou que as imagens estavam substituindo — e até matando — a palavra. Vibrei ao ler que os intelectuais não tinham mais voz na sociedade de hoje e senti-me vingada com as seguidas afirmações de que a cultura mundial não só foi banalizada como retrocedeu nos últimos cinquenta anos.
Ler um livro sem indicações ou curadoria prévias tem lá suas vantagens. Tenho, cá dentro de mim, que se o texto está em um livro editado por uma grande editora, algum valor — seja intelectual ou informativo — ele tem. Mas isso, é claro, não garante o mágico encontro de mentes que concordam em gênero, número e grau, proporcionado pela literatura.
Apesar de eu (ainda) não ter lido nenhum dos seus livros de ficção, Mario Vargas Llosa recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 2010 é tido como um dos maiores escritores latino-americanos do nosso tempo. Ou seja, eu não precisava de nenhuma indicação para confiar que estava explorando uma área segura, certo?
Mas os indícios de que daria ruim estavam lá, já no prefácio: segundo ele, a cultura “degringolou” em nosso tempo porque não está mais nas mãos de uma elite cultural. Em outras palavras, o problema é, se todos têm acesso à cultura e todas as expressões são consideradas cultura, não existe mais cultura.
Achei estranho, mas segui em frente — é apenas um detalhe, certo? O resto fazia sentido. Assim como era apenas um detalhe 95% das suas referências artísticas serem homens, certo? Apesar disso, eu teria sobrevivido à leitura sem arranhões.
Minhas dúvidas sobre a visão política do autor se desfizeram quando ele comparou, repetidas vezes, o Wiki Leaks ao exibicionismo de nosso tempo, como se os vazamentos não passassem de fofocas bem elaboradas. Ele chega a afirmar que as informações vazadas não trouxeram nada novo além do que já não desconfiássemos.
Foi então que olhei o livro e ele olhou para mim. Desistir? Só porque não concordo com o que você está dizendo? O questionamento me atingiu. Metade de mim era uma senhora de direita, que concordava com alguns pensamentos do autor; outra metade, a Mylle de sempre. Segui com a leitura, até o fim.
Além do tom direitista presente em todo o discurso do autor, encontrei um eco de arrogância — o mesmo eco que, às vezes, ouço dentro de mim. No final das contas, eu queria uma leitura que confirmasse tudo o que penso sobre a banalização da literatura e o fim da nossa cultura estava certo; que afirmasse o sufocamento do meu papel no mundo.
Haja pretensão.
Papel. Propósito. Função. Pedaços de narrativas que nos contamos para dar sentido ao nosso mundo interior e às nossas escolhas. Nem escrita, nem cultura e nem crítica são melhores do que nada — e quanto mais tempo ficarmos em nossas bolhas pretensiosas, menos enxergaremos a beleza da evolução do mundo.
Ainda bem que vivo em um mundo cheio de livros para discordar.