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Por que Collor está tão interessado na Cultura? 

Na última segunda-feira (28/03) a Comissão de Desenvolvimento Regional (CDR) realizou uma audiência pública interativa. O tema? 

 “Turismo Cultural: a música como vetor de ampliação da atividade turística”. 

Segundo a Agência Senado, a audiência pública “dá continuidade ao ciclo de debates sobre turismo iniciado pela CDR em 2021, sob o comando do presidente do colegiado, Fernando Collor (Pros-AL)”.

Você não leu errado. O presidente do colegiado é ele mesmo, Fernando Collor de Mello, ex-presidente do Brasil

A audiência ainda contou com a participação de Bárbara Blaudt Rangel, Coordenadora de Destinos Inteligentes e Criativos, do Ministério do Turismo; Bernardo Duarte, Diretor do Centro da Música, da Fundação Nacional de Artes (Funarte); Sigrid Ramos Cetraro, Diretora do Teatro Amazonas, representante da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado do Amazonas; e Luiz Martins, Diretor-Geral da Orquestra Filarmônica de Alagoas.

A audiência ocorreu de forma semipresencial e teve início às 18h, a transmissão de tudo que foi dito está disponível aqui. Como de costume, faremos um resumão das principais informações, além é claro, dos consuetudinários (aprendi essa palavra ontem) comentários. 

Turismo musical: um resumão

Para começar, é importante dizer que, embora tenha sido uma audiência pública, a participação dos cidadãos foi pífia. Não é de hoje que os mais diversos assuntos discutidos pelos poderes — neste caso o Legislativo — tem baixa adesão da participação da sociedade. 

Isto se deve a mais de uma dúzia de fatores que não iremos discutir aqui, mas para você ter uma ideia, segundo o relatório de comentários no evento interativo, disponível no portal e-cidadaniaforam realizadas 28 perguntas e comentários, sendo: 5 do Distrito Federal (2 pessoas, uma fez 4 perguntas); 17 do Rio Janeiro (5 pessoas, uma delas fez 12 perguntas); 2 de Minas Gerais (2 pessoas); já dos Estados de Goiás, Mato Grosso, Pará e São Paulo, apenas uma pergunta. Ou seja, apenas 13 pessoas participaram.

E por que é importante dizer isso? Simples, algumas das perguntas (6 no total) foram selecionadas e lidas por Collor, servindo como base para que os convidados fizessem suas falas. Eu sei o que você está pensando, mas calma, chegaremos lá. Antes disso vamos a abertura da reunião. 

Após a realização de todo o protocolo desse tipo de audiência, Collor inicia sua fala

“O turismo e a música são duas indústrias de enorme importância no Brasil. A combinação dessas duas atividades resulta em um imenso potencial de dinamização da nossa economia e de valorização da nossa cultura.”

Ok, seguimos adiante. 

“Embora o turismo musical ainda seja pouco discutido em nosso país, temos uma larga experiência nesse segmento do mercado de viagens.”

Começou bem, aí chegou a vírgula e complicou. Quais são os exemplos que comprovem essa experiência? Quem é esse “nós”? Em seguida, Collor, faz uma breve análise da importância dos mais variados gêneros musicais brasileiros e a sua relação com o turismo. 

A fala que vem a seguir parece uma espécie de autopromoção, como quem diz: eu sou o pai desse negócio

“A esse respeito, permito-me recordar que a nossa Lei Rouanet, mecanismo mais duradouro e de importância incomparável para proteção, difusão e valorização da cultura brasileira, acaba de completar três décadas de existência. Em 23 de dezembro de 1991, tive a honra, na qualidade de Presidente da República, de sancionar a Lei 8.313, oficialmente denominada Lei Federal de Incentivo à Cultura.”

Será que devemos lembrá-lo que o atual governo, o mesmo que ele fez e continua fazendo campanha é o mesmo que tenta de todas formas acabar com a Lei Rouanet? 

Digo isso, porque ele deve ler o Lambrequim, pois o que ele diz na sequência parece ter sido tirado desse nosso texto aqui

Quero aproveitar essa pequena brecha aqui e abrir um parêntese: você alguma vez já viu a lista com todas as proposições que tramitam no Senado e estão abertas para receber opiniões do público? 

Olha, é um verdadeiro show, só que de horrores

Voltemos à audiência. Para finalizar a sua fala e abrir espaço para os convidados, Collor cita ninguém mais ninguém menos que Guimarães Rosa: “O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”. Faça um exercício de imaginação e substitua a palavra coragem por cara de pau. 

Antes de passar a palavra para a primeira pessoa que faria seus apontamentos, Collor leu as perguntas dos internautas. São elas: 

Thiago Rafael (MT) perguntou: quais gêneros musicais do Brasil mais chamam a atenção do turismo?

Daniela Esteves (MG) questionou: Quais ações o poder público tem realizado para fomentar a música como meio de turismo cultural?

Marcos Vinicius (RJ) indagou: Como aproveitar melhor a música brasileira na atração turística, e de forma a reconhecer mais o músico como um artista de grande valor?

Rayane Reis (RJ) interrogou: Está ocorrendo um investimento adequado para o crescimento da música no turismo cultural? 

Flavio Peruzzo (SP) comentou: Música, gastronomia e nossas culturas regionais são atrativos inigualáveis em comparação com qualquer destino global. Parabéns pelo evento.

Vinicius Silva (GO) disse: Onde há música há pessoas, o Brasil é um grande país com uma vasta identidade musical, sendo possível explorar mais esse meio no turismo.

Como você pode observar, apenas duas das perguntas lidas fazem algum tipo de questionamento às medidas e ações desenvolvidas pelo atual governo com relação à área cultural. 

Prometo que, no final, responderei a cada uma das perguntas, mas primeiro vamos analisar brevemente a fala de cada um dos convidados, começando com Bárbara Blaudt Rangel. 

As falas dos excelentíssimos participantes

Em sua fala, Bárbara ressalta que atualmente o Ministério do Turismo tem trabalhado muito também junto com a Secretaria Especial de Cultura (o que por si só é bastante preocupante). Não quero nem imaginar o Mario Frias lendo um texto de Goebbels, acompanhado ao fundo pela execução (escolha o significado da palavra) de Ave Maria por Gilson Machado (o sanfoneiro que, aliás, é Ministro do Turismo, e que talvez explique a atração do Ministério pela música a ponto de realizar uma CDR). 

Em seguida, ela fala da importância dos festivais de música: “A gente sabe que existem muitos festivais de música que atraem turistas por si sós. A gente tem aí, como exemplo, o Lollapalooza”. Estranho é que esses dias o próprio governo tentou censurar os artistas participantes do festival (um festival privado). Leia sobre isso em qualquer site desses aqui

Na sequência, ela diz que a música brasileira é exótica e que por isso tem um poder de atração turística muito grande. Não vou comentar, não vou comentar, não vou comentar…

E aí vem isso: “É importante, também, dizer que existe, sim, bastante investimento do Governo Federal. Não só investimentos como a Lei Rouanet ou leis de incentivos à cultura, existem outros tipos de investimento que o próprio Ministério do Turismo está fazendo agora…” 

Uma fala um tanto quanto imprecisa, não é mesmo? Calma que piora: “Dentro da rede que vai ser lançada este ano, a gente tem o apoio do BNDES, que já se colocou à disposição para fazer um crowdfunding para profissionais criativos. A gente tem, também, incentivos do terceiro setor.”

Crowdfunding? Uh…, tipo o que? Vocês vão lançar uma campanha de financiamento coletivo? Com que finalidade exatamente? A verba não deveria vir diretamente da pasta ao invés de buscar recursos por meio de plataformas privadas? Bom, ela mesmo responde de forma rasa: “…eu não vou dar o gostinho de falar tudo agora, senão eu já falo do lançamento antes mesmo de ele acontecer. Vou deixar todos curiosos por mais alguns meses…

Ou seja, o setor que mais sofreu durante a pandemia de Covid-19, que espere mais alguns meses. Sobre a pandemia ela diz que: “…todo investimento que o Governo está fazendo deveria ter sido visto como investimento de maneira brilhante. Mas é claro que isso não vai ser o suficiente, porque os estragos que a pandemia causou foram muito grandes”. 

A frase deveria ser “o investimento que o governo fez no setor é nulo, visto que ele atuou de forma deliberada para a explosão de casos de Covid-19, é contrário às vacinas e contribui significativamente para que o setor seja desmantelado”. A fala de Bárbara continua em defesa do governo e termina dizendo que a “a própria música pode se desenvolver mais por meio do turismo”. Sem comentários. 

A fala de Bernardo Guerra Duarte, não traz nada de novo, apenas reafirma o que já havia sido dito. O mesmo ocorreu na fala de Sigrid Ramos Cetraro, ressaltando que em seu estado existem festivais de música. 

Luiz Martins, faz uma fala um tanto quanto curiosa

“Na verdade, todos nós, enquanto Orquestra Filarmônica de Alagoas, toda a nossa gestão é também feita pelos próprios músicos. Isso é uma coisa muito interessante, porque, em se falando de Orquestra Filarmônica de Alagoas, é uma orquestra que nasceu em 2017 e nasceu fruto de um investimento que foi cortado. Então, era uma orquestra que fazia parte… Na verdade, a orquestra fazia parte da Universidade Federal de Alagoas e o investimento em bolsas foi cortado em uma determinada época e a gente resolveu fundar uma orquestra”. 

A fala é curiosa porque ele foi o único que não ficou defendendo o governo de Bolsonaro e sua política desastrada. Citou o corte de verbas para o setor da Educação, o que não é nenhuma novidade até aqui. Aliás, enquanto escrevia esse texto saiu a notícia que Milton Ribeiro pediu demissão

Martins continua sua fala dizendo que deveriam acabar os cortes de verbas e faz uma breve defesa da Lei Rouanet. 

Respondendo às perguntas

Bom, eu disse que responderia às perguntas enviadas pelos cidadãos e lidas durante a audiência e assim o fiz nos comentários das falas dos participantes, mas caso não tenha ficado claro seguem abaixo as respostas para cada pergunta

Thiago, todos gêneros musicais, brasileiros ou não, são potenciais fontes de transformação cultural, social, ambiental e política, para ficar por aqui. Não necessariamente um ou dois gêneros são mais atrativos, o que realmente importa é a forma como são elaboradas políticas públicas para fomentar essas práticas. E, é claro, o devido investimento na área especificamente.  

Daniela, até o momento não encontrei nenhuma política pública que eu possa citar para te dar de exemplo. 

Marcos, a criação de políticas públicas, o investimento maciço em educação, arte e cultura, são talvez, as únicas formas. 

Rayane, não há investimento.  

Flávio, seu comentário é um tanto quanto regionalista, não só o Brasil possui uma vasta cultura musical, gastronômica, et cetera. O que falta aqui no Brasil já escrevi acima. 

Vinicius, sim, até porque sem pessoas não há quem diga que existe música, não é mesmo? 

Quanto a pergunta que dá título a esse texto, fica o alerta. Todos sabemos da importância do setor cultural na economia do país. Por que Collor está tão interessado na Cultura? Descobriremos no decorrer das audiências do Senado Federal. 


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