Cem edições do Lambrequim.
Cem semanas parando e pensando o que (e se) tínhamos a dizer.
Cem semanas do primeiro projeto levado por tanto tempo e com tanta disciplina.
Mas afinal, pra quê ficar se gastando pra produzir uma newsletter nichada, escondida e que tão pouca gente lê? Isso dá dinheiro, minha filha?, perguntaria meu pai, se soubesse o que é newsletter e se soubesse quanto tempo eu fico matutando sobre essa coisa.
A equação da escrita é simples: se quem escreve tem quem lê e/ou se quem escreve tem satisfação-descoberta enquanto, então escreve. Alçar voos literários, publicar livros, estudar-treinar técnicas narrativas, ter algum reconhecimento e (quiçá) ganhar uns vinténs escrevendo = tudo acessório.
O que importa é a essência da escrita, e a essência da escrita é como ela ressoa: como ressoa em quem escreve e como ressoa em quem lê. Essa relação simbiótica de construção de sentido entre escritores e leitores é uma das experiências mais belas que podemos vivenciar.
Para além do medo de ser engolida pelo Chat GPT, a reverberação da escrita tem dominado boa parte dos meus pensamentos. O que a escrita faz em nível individual, os laços que ela produz e as transformações que provoca, não podem ser substituídos por máquinas. A emoção genuína ainda é humana.
E essa escrita, visceral e irreproduzível por máquinas, agora pede passagem — essa escrita e o que ela provoca no corpo dessa humana que Cisma.
Abraçada ao chamado das palavras desde-desde, como um magnetismo, um canto da sereia que me impediu de cair nas águas (mais) turvas da mente. A escrita é um troço que me esvazia e me preenche, que exige tudo de mim e pra ela volto, sempre volto, porque não posso fazer nada além de voltar.
Quando não escrevo, eu queria estar escrevendo; e enquanto escrevo, tudo o que quero fazer é parar. É como se eu só pudesse ser de verdade no mundo de mentira, enquanto a vida que todos acreditam ser a real fosse uma casca, uma versão que preciso inventar para continuar viva e escrevendo.
Entro em estado meditativo de olhos abertos. Sinto raiva, preciso correr, andar, gritar, beber água. Ouço o mundo em estado de sonho, estou sem estar. É uma espécie de caos que deixo vir e vou tentando empilhar, mesmo sabendo que cada palavra escrita é limite daquilo que pouco antes em pensamento.
Os presentes mais valiosos que entreguei, para as pessoas que mais amei, foram cartas e poemas. Também na escrita coloquei todo meu ódio e toda minha dúvida e toda minha sombra. Quantas-tantas vezes achei que só saberia o que falar se fosse escrevendo — e muitas outras em que a emoção tamanha fez sumir as palavras.
Onde a escrita me leva, deixo ir. A reverberação da escrita é um sem-controle, misto de desejo (que sempre esteve), de coragem (que não teve opção além de existir) e de desapego (o que mais demorou a vir). Porque escrever, para quem nasceu com palavra encravada no peito, é força que carrega e você só vai, porque é feito de ir pra onde a escrita leva.
A escrita foi meu conduíte até você. Sem ela, não haveria jeito de pausar longo o pensamento e reverberar (deve ser por isso que às vezes tudo o que quero mesmo é que o mundo inteiro sente e escreva). Tinha tanta vergonha disso, de ficar sonhando o mesmo sonho desde criança — mas aí tem você do outro lado, dizendo que reverbera.
Por isso, cem edições depois não é apenas cem edições depois: é sobrevida, encontro e completude, porque essa humana entalhada em palavras não estava mais sonhando sozinha. Enfim junção, canal, rede — enfim liberdade, em forma de escrita liberta. P.S.: Cismando floreado só pra dizer que, sem a sua companhia-leitora, me faltaria fôlego para manter uma newsletter por tanto tempo.