Agosto de 2021 ficará marcado para sempre na história da música mundial como o mês da partida de duas das personagens mais importantes desta área. Estamos falando de José Ramos Tinhorão e R. Murray Schafer.
Para falar sobre cada um deles, precisaríamos abrir uma coluna especial e ficar meses e meses escrevendo sobre a vida e a obra de cada um — mas talvez seja desnecessário, uma vez que já existem diversos sites, teses e dissertações que versam sobre ambos.
José Ramos Tinhorão (Santos, 7 de fevereiro de 1928 — São Paulo, 3 de agosto de 2021) foi jornalista e um dos maiores críticos e pesquisadores musicais do Brasil. Suas obras, todas dedicadas à história da música popular brasileira, são referência no meio acadêmico.
Embora muito contestado e tendo causado diversas discussões sobre o assunto, seu posicionamento e compreensão da temática da música brasileira o tornaram um dos autores mais respeitados de nossa época.
Marxista convicto, introduziu análises sociológicas em críticas musicais. Foi um detrator da Bossa-Nova, colecionando inimizades no meio musical.
Tinhorão foi dono de um dos maiores acervos musicais que temos registro. Atualmente a maior parte está digitalizada e pertence ao Instituto Moreira Salles e está disponível para consulta.
Mesmo não sendo explícito, o bom humor não ficava de fora de seus textos. No capítulo sobre o Maxixe (primeiro gênero musical genuinamente brasileiro), do livro Pequena História da Música Popular, encontramos na página 81, umas das passagens (transcrita abaixo) que bem retrata o passado das danças populares:
As francesas, provavelmente artistas de vaudeville, deviam ter aprendido a dança durante uma daquelas tournées de companhias de operetas francesas em que, depois do espetáculo, a juventude dourada do Rio de Janeiro conduzia as artistas estrangeiras para ceias boêmias, após as quais era quase certa a execução dos movimentos do maxixe no sentido horizontal.
Quem sabe, no futuro, nós não publicamos aqui no Lambrequim um texto sobre as relações entre o passado e futuro das danças populares urbanas no Brasil.
Raymond Murray Schafer (18 de julho de 1933 — 14 de agosto de 2021) um dos mais importantes educadores musicais da contemporaneidade, também foi compositor e ambientalista, ou melhor ecologista acústico.
Schafer é o principal responsável por popularizar o termo SoundScape (Paisagem Sonora). Seu livro, A Afinação do Mundo é obra fundamental para todo e qualquer profissional da música. Na página 29, encontramos um exemplo do tema central do livro:
A única proteção para os ouvidos é um elaborado mecanismo psicológico que filtra os sons indesejáveis, para se concentrar no que é desejável. Os olhos apontam para fora; os ouvidos, para dentro.
Embora a maioria dos educadores desconheça o pensamento filosófico-musical de Schafer em sua essência, sua obra é uma das mais influentes na educação musical no Brasil na atualidade. Este excelente trabalho, apresenta as principais ideias pedagógicas de Schafer.
Objeto de estudo de diversos pesquisadores e utilizado na “ponta” por professores de escolas públicas e privadas, seus livros, como por exemplo o Ouvido Pensante, chegam a figurar dentre as obras recomendadas nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN).
Sobre este livro, destacamos os capítulos:
O compositor na sala de aula fala sobre o processo criativo na música; Limpeza de ouvidos, onde é possível explorar os conceitos de ruído, silêncio, som, timbre e melodia, por exemplo (Schafer os apresenta de uma maneira mais próxima das correntes contemporâneas do pensamento musical, sempre contextualizando-os com exemplos práticos); A nova paisagem sonora aborda a interdisciplinaridade entre música, geografia, sociologias, comunicação, história e outras áreas do conhecimento; O rinoceronte na sala de aula apresenta a reflexão filosófica de Schafer sobre música e suas relações com a Arte.
Shafer possui ainda outros livros com tradução para o português: Educação Sonora — 100 exercícios de educação musical, Ouvir, Cantar — 75 exercícios para ouvir e criar música e o mais recente deles, Vozes da Tirania: Templos de Silêncio.
Este último apresenta os últimos escritos de Schafer sobre música, contando com uma série de reflexões de suma importância para o futuro da educação musical.
Um de seus projetos mais conhecidos no mundo é o World Soundscape Project, que teve início na década de 1970 devido a preocupação com a ecologia acústica e com o objetivo de salvaguardar sons ao redor do mundo.
Ainda é cedo para cravar que, com a morte de Schafer, se fecha a segunda geração de educadores musicais. No entanto, é bem provável que os novos educadores venham a ser conhecidos como a terceira geração de educadores musicais.