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Você não é dono dos seus livros: Amazon, Bookwire e o controle da cultura digital

Você não é dono dos seus livros: Amazon, Bookwire e o controle da cultura digital

Se você, assim como eu, passou os meses de fevereiro e março sem procurar e-books na Amazon, talvez não tenha notado que milhares de livros digitais simplesmente sumiram da plataforma de Jeff Bezos por causa de um empasse entre a empresa dele e a Bookwire, distribuidora alemã de livros digitais e audiolivros.

Segundo o site da distribuidora, a Bookwire possui mais de 1 milhão de títulos de todo o mundo cadastrados em sua plataforma. No Brasil, ela faz a distribuição de livros para o Grupo Editorial Record, para as editoras Todavia e WMF Martins Fontes, entre outras.

Ou, seja: se o mercado editorial digital já estava volátil antes dessa treta, a situação a partir dela saiu fora do controle de todos — autores, editores e leitores — que estão envolvidos na cadeia do livro.

Afinal, quem é dono dos nossos livros? Impossível não se perguntar.

Segundo o PublishNews, o impasse que levou à suspensão temporária dos e-books da Bookwire na Amazon é consequência do já conhecido estilo agressivo de negociações da Amazon. Foi só depois de três semanas de tensão (sendo que as negociações estavam rolando desde novembro), que um acordo foi alcançado e os e-books voltaram, mesmo que os detalhes do acordo permaneçam em segredo.

A trégua anunciada acena para uma normalidade restaurada. Porém, será que estamos confortáveis com a ideia de que o acesso à leitura digital esteja tão concentrado nas mãos de poucos? E que esses poucos possam, com uma facilidade espantosa, cortar o acesso a um acervo que acreditávamos estar sempre disponível?

Está mais do que claro que estamos cada vez mais dependentes de plataformas que, muitas vezes, simplesmente desconhecemos. A remoção temporária dos livros demonstrou a fragilidade desses sistemas e trouxe à tona um conflito entre os interesses corporativos e os dos leitores e editoras independentes.

É claro que o comércio eletrônico de livros é prático, eficiente e benéfico para muitos. Mas essa dependência tecnológica obviamente não é benéfica para o mercado. Com editoras reportando perdas significativas devido à falta de comunicação clara sobre a remoção dos livros, fica evidente a necessidade de transparência.

O cenário do consumo de e-books no Brasil, com 46% dos consumidores recorrendo à Amazon, segundo a pesquisa Panorama do Consumo de Livros. Mas quem já tentou comprar um e-book em qualquer outra plataforma, sabe que não há nenhuma capaz de se igualar à Amazon em termos de catálogo, qualidade, usabilidade e praticidade. Por mais que saibamos que não poderia haver monopólio, não há outra plataforma de venda de livros digitais que rivalize a Amazon no Brasil.

Vale lembrar que, há cerca de dez anos, a Saraiva lançou o Lev, um e-reader que competia bem com o Kindle em vários sentidos. No entanto, com a novela da falência da livraria, a distribuição de e-books para o Lev foi descontinuada — e, sim, todos os e-books comprados pelos usuários foram perdidos.

O mais interessante é que, numa busca rápida no Google, há apenas alguns relatos de usuários que perderam seus livros. Nenhuma declaração da Saraiva. Nenhuma notícia de jornal. Pelo contrário: há mais notícias sobre o lançamento do Lev do que do seu fim.

A distribuição digital de bens de consumo gera uma efemeridade assustadora. Não estamos preparados para perder, de uma hora para a outra, os produtos digitais que compramos, ou ainda para ver se perder parte do conhecimento produzido por um mera briga corporativa — mas o fato é que, sim, no mundo em que vivemos, tudo publicado em formato digital pode sumir de uma hora para a outra por um jogo de interesses do qual somos meros peões.

A Amazon já domina 50% das vendas de livros impressos no Brasil. Nem mesmo nos seus dias de glória, as grandes redes de livraria chegaram, juntas, perto disso. Regular o preço do livro seria uma solução? Tudo indica que sim. Ter mais livrarias de rua, também — em especial nas cidades em que não há uma livraria sequer.

No entanto, a solução talvez seja mais simples do que imaginamos — mas, ao mesmo tempo, mais trabalhosa: diversificar. Se você é uma pessoa leitora e que gosta de comprar livros, a melhor opção é buscar opções. Comprar em sebos, em livrarias, em feiras, de autores e independentes. Comprar livros digitais e físicos. Cuide você mesmo da sua biblioteca, faça você mesmo a sua seleção.

E se você é uma pessoa autora ou uma editora independente, diversifique seus locais de venda e suas formas de distribuição. Sempre que possível, imprima seus livros e faça o depósito legal deles em bibliotecas. Aproveite as formas variadas de colocar as suas ideias no mundo, sem depender de nenhuma delas. Todo livro pode ter uma vida muito mais longa do que o lançamento, basta que você continue trabalhando para que ele chegue a cada vez mais leitores.

P.S.: a propósito, você pode comprar meus livros e apoiar meu trabalho aqui.


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