Imagine, por um instante que, ainda mantendo a sua autoconsciência, você se tornou capaz de receber comandos (ou prompts) externos, como hoje fazemos com a inteligência artificial. Esses prompts, se bem elaborados e alinhados com os seus objetivos, te ajudariam a aprimorar as mais variadas áreas — desde aprender as tarefas mais simples até vencer traumas intransponíveis.
Mas esses prompts, na real, existem (em menor escala, é claro). Se você já ouviu falar que tudo é uma questão de linguagem e/ou já enfrentou problemas depois de ter ouvido ou falado algo que foi mal interpretado, sabe bem do que estou falando.
Segundo a linguística, nós só nos apropriamos do mundo quando aprendemos o nome das coisas. Antes disso, o mundo (e o que sentimos) são abstrações, porque somos bebês incapazes de nomear o que quer que seja. Apenas quando nos tornamos capazes de apontar e nomear pessoas, objetos, ações e sensações é que começamos a dar nomes ao que se passa dentro das nossas cabeças.
Além de cuidados para a sobrevivência, os bebês recebem dos adultos toda sorte de estímulos nessa importantíssima fase de formação, que vai dos 0 aos 7 anos de idade. Ou seja, muitos dos prompts que repetimos hoje foram escritos em nós na infância — e haja autoanálise e terapia para desfazê-los.
Em busca do prompt perfeito
Se você ainda tem algum preconceito com o ChatGPT ou de qualquer IA, talvez seja hora de explorar a tecnologia com mais calma. Todas essas IAs (e é sério, existem milhares delas) funcionam utilizando a mesma lógica: elas recebem um comando específico (e muitas vezes personalizado) e processam o pedido gerando algum resultado. Atingir o resultado esperado depende, na mesma medida, tanto da capacidade de processamento de informações da IA, da sua base de dados e da maneira como o prompt foi elaborado.
Ou seja, não importa apenas dizer, mas também como dizer. A combinação de palavras, cada uma colocada no lugar certo, é capaz de gerar o resultado esperado.
E não é isso que estamos fazendo o tempo inteiro, tanto uns com os outros quanto (e principalmente) com nós mesmos? Chame de manipulação, PNL, terapia cognitivo comportamental ou de convivência mesmo — estamos sempre nessa busca intensa da melhor combinação de palavras para sobreviver.
O papel da escrita na criação de comandos
Se nomear é o caminho para o pensamento, a escrita é sua materialização. Deixando de lado a questão de que o pensamento puro é mais abstrato do que o que de fato escrevemos, sem as palavras, nem pensamento e nem escrita existiriam como os conhecemos. O ato de escrever organiza, registra, nos coloca em posse da palavra e em contato com o outro — e isso independe do assunto sobre o qual estamos escrevendo.
A escrita é libertadora não porque basta escrever o que sentimos para nos livramos daquilo, mas porque nos ajuda a organizar as coisas de dentro pra fora. É uma forma maravilhosa tanto de aprender a ouvir os comandos internos (ao menos os conscientes) quanto de reescrevê-los para o futuro.
Os prompts que escrevemos por dentro
Quanto mais informações temos, mais conteúdos mastigados e rasos recebemos. Tudo o que consumimos, desde objetos até vídeos na vertical vindos da sua rede preferida, chegam cada vez mais prontos até nós, com conceitos instantâneos que, se não estivermos atentos, serão registrados em nossa memória como verdades.
No entanto, nossa mania de não verificar a veracidade do que consumimos é muito anterior à internet ou a qualquer avalanche de informações: temos é medo do novo, do diverso e do inesperado. Nosso cérebro, preguiçoso como é, prefere mil vezes economizar energia repetindo os mesmos prompts do que gerar constantemente novas opções para testar resultados.
Cada um de nós tem um monte de prompts mal escritos na cabeça, mas por ora, quero focar nos comandos que nos damos quando pensamos nos nossos trabalhos como artistas. Eu explorei alguns dos meus prompts errados nas últimas Cismas (aqui e aqui) e acredito que é aí que muitos de nós patinam ao tentar encaixar vida e produção artística: não é só a necessidade de sobrevivência física, mas a psicológica que nos confunde.
Muitos de nós, artistas, temos esse desejo imenso de criar, de estar em contato com a arte, de sermos ouvidos pelo mundo… Mas não sabemos como e nem por onde começar, então testamos. Testamos de tudo um pouco, atirando para todos os lados, como dizem, acertando e errando, sem a mínima noção do que estamos fazendo — e, quando percebemos, estamos fazendo tudo, exceto aquilo que realmente gostaríamos de fazer.
Somos melhores que o ChatGPT (ainda)
Ao contrário de qualquer IA, nós humanos ainda temos autoconsciência. Dê o mesmo comando para um grupo de 50 pessoas e você terá 50 resultados diferentes. Dê o mesmo comando ao ChatGPT e ele te dará 50 resultados muito parecidos.
A magia do ChatGPT (e por isso te convido a testar a ferramenta, caso ainda não o tenha feito) é o uso que cada um faz dele. Ele é um processador de informações, não um mero gerador de textos. Ele acelera o trabalho, mas não o substitui. Ou seja, a magia continua em nós, no uso que cada um faz da ferramenta.
O que a gente precisa, como nos aconselha o Yuval Harari, é reescrever nossos comportamentos, nossos prompts internos para que, ao invés de continuar replicando conceitos ultrapassados, possamos realizar todos os projetos que sonhamos.
Quais comando precisamos nos dar para que, independente do como a sociedade demande, possamos sempre acreditar no nosso potencial artístico?
A resposta não sei — só sei que posso continuar escrevendo.