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Quero ser uma escritora respeitável (ou como o Romantismo acabou com a minha cabeça)  

1.

Me pergunto, talvez com mais frequência do que deveria, se ainda há pessoas dispostas a ler textos simples e bem construídos, desses em que nenhuma palavra sobra nem falta — tradicionais e diretos, sem inversões nem pretensões de ser.

Há meses venho tentando torcer o texto escrito sobre a justificativa de que há informação demais no mundo. Se é assim, então por que continuar com a verborragia sem experimentalismo? Em essência, minha preocupação faz algum sentido, mas, na prática, as motivações se confundem.

De um lado, temos o conteúdo em si, a mensagem a ser registrada e transmitida. No ato da escrita, toda mensagem é de suma importância para quem a escreve — se não fosse, morreria em pensamento.

Do outro lado, temos o texto, e suas inúmeras formas do texto ser e estar no mundo. Quando usamos a palavra “texto”, logo pensamos no texto escrito, mas se usarmos a palavra texto como a usam os linguistas, todas as formas de expressão e comunicação são textos — e são passíveis de interpretação dentro de suas forma e conteúdo (o que torna pensar na variação dos textos ainda mais interessante).

2.

Mas agora vamos pensar em uma criança que não sabia nada disso, apesar de sua boa educação formal, e não teve quem a orientasse na exploração da sua criatividade. O máximo de orientação que recebeu foi “você é boa escrevendo, então continue” — e a criança se agarrou a isso como a uma boia de salvação.

A criança do exemplo sou eu e a boia de salvação é a escrita. Tudo que faço hoje tem a ver com a escrita — e eu adoro isso! Posso dizer, sem exagero, que sou o que escrevo.

Mas, e se não for só isso?

Não quero parecer FOMO e sei que cada escolha é uma sentença — me pergunto, no entanto, se não deixei que a boia me carregasse por tempo demais. 

Explico.

3.

De uns tempos pra cá (talvez desde a faculdade, talvez desde antes, talvez a vida inteira, vai saber) entrei numa pira de que precisava ser muito boa pra me tornar uma escritora respeitável (eu sei, é ridículo). Então, se eu não fosse uma das melhores, não adiantaria nem começar.

Isso de querer ser uma respeitável das melhores nada mais é do que uma autocobrança — que, de saída, me travou por muito, muito tempo. Foi só dos últimos dez anos pra cá que me permiti viver a escrita. Estudei, publiquei, descobri formas de pagar as contas como escritora etc. No entanto, cada uma das rejeições em concursos literários foi me desmotivando — porque, afinal, não ser reconhecida em concurso algum significa que ainda estou longe de ser uma escritora respeitável.

(Eu sei, outra coisa ridícula de se dizer, mas sempre tenho a esperança de que essas coisas ridículas que digo possam ser parecidas com as coisas ridículas que outra pessoa sente, mas ainda tem vergonha de dizer).

O resultado dessa desmotivação generalizada é o que pensei ser um looping: se eu faço, ninguém reconhece e então não vou mais fazer, mas ainda quero ser reconhecida.

E então volto para a mesma pergunta de antes, só que agora evoluída: 

Mas e se eu estou investindo minha criatividade no lugar errado? 

4.

Não é a primeira vez que me pergunto o que fazer com a escrita, mas talvez seja a primeira vez que me questiono se não deveria colocá-la em outro lugar. E se a escrita for o barco ao invés da boia?

O que quero dizer é que talvez eu tenha me exigido ser respeitável demais, e ainda tenha buscado me valorar tentando me enquadrar a padrões ultrapassados (porque todo o sistema literário é ultrapassado, aliás). Prêmios, concursos, publicações, editoras — ao participar disso, prova-se o que para quem, afinal? 

Me pergunto, enfim, se por mera falta de orientação, acabei limitando minhas fichas sobre o que é ser escritora e como posso trabalhar com a escrita. Mesmo escrevendo roteiros para HQs, como comentei na Cisma anterior, eu carrego uma insatisfação por não conseguir ser essa escritora respeitável — e não ser essa pessoa significa desistir do imaginário que tenho sobre o que é essa coisa de ser escritora.

Mas esse imaginário, como já citei, está ultrapassado. É hora de descer da torre de marfim.

5.

Bonito isso de sair publicando sem se importar com nada, mas comigo não cola mais. Já passei da fase de testes, e agora quero trabalhar com certezas — ou, ao menos, com objetivos bastante claros.

Que sou escritora, isso está claro. Mas o fardo que estava me impondo, com toda a autocobrança para ser respeitável, além de não ser nada saudável, me impedia de reconhecer o valor das realizações do presente.

Costumava dizer que eu tinha um Lado A, que seria o literário e respeitável, e um Lado B, que seria o pop e de massa. Usava essa divisão para me explicar, para não me culpar por não ser direito nem uma coisa e nem outra — como se eu quisesse me agarrar ainda mais àquela boia ao invés de me deixar levar pelas ondas do momento.

A boia, como ficou claro, não é a escrita em si, mas a ideia de que eu só poderia ser alguém através dela. Enquanto eu não tivesse valor dentro do sistema literário, não teria valor em mais nenhum outro lugar — o que, reconheço, é uma forma bem triste de viver. Entre frustrações e reflexões sobre como me destacar, o tempo foi passando e a insatisfação, aumentando.

6.

É difícil terminar uma Cisma retirando aquilo que eu tinha como mais certo e (por que não?) sagrado. De tanto que me apeguei a ideia de ser respeitável, me pergunto o que acontecerá comigo agora que pretendo abandonar esse Norte. 

Por outro lado, desejar algo distante e que não depende de mim para acontecer me deixou anestesiada para o que estava vivenciando no agora. Talvez, ao invés de respeitável, eu devesse ser estoica e, navegando no barco da escrita, abraçar aquilo que sou capaz de realizar.

Mas como?

Bem, deixar a criatividade fluir sem toda essa autocobrança e aproveitar mais as realizações do presente parecem ser duas ótimas formas de (re)começar.


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