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Calculando os níveis de entropia para 2023

en·tro·pi·a
(francês entropie)
substantivo feminino

1. [Física] Medida da desordem de um sistema. 
2. [Física] Medida da quantidade de energia que não é convertida em trabalho mecânico.
3. Desordem ou imprevisibilidade.

“entropia”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/entropia [consultado em 28-12-2022].

No ir e vir do tempo, vi pessoas indo e vindo com o engajamento em seus projetos artísticos. A mesma história se repete: o trabalho, começado com enorme potência, perde a força no derramar das demandas, esvaziando de significado a concretização do projeto. Os motivos, pessoais e específicos, são variados; mas a fonte deles permanece a mesma: há um contínuo descrédito na realização de projetos artísticos dentro da nossa sociedade, como se criar fosse mais um hobby do que um trabalho.

Quem acompanha o Lambrequim há algum tempo sabe que esse é um dos assuntos que mais me incomoda e mais me faz questinonar: a valoração da Escrita Criativa como profissão

Nessas semanas de Natal e Ano Novo sempre me pego pensando nos planos para o próximo ano. Em 2022, muitos ciclos se fecharam por aqui, e agora tenho um caminho livre pela frente, um caminho que aos poucos vou decidindo como trilhar. Apesar das possíveis rotas, tudo é novidade nesse caminho que me encara. 

Momentos chave como o que estou passando são perfeitos para abraçarmos de vez alguma parte de nós e nos dedicarmos inteiramente a ela. No meu caso específico, posso dizer que me livrei de um “problema de estimação”, desses que se arrastam pela vida inteira, e agora estou livre para ser a pessoa-artista que eu sempre quis.

Será que estou mesmo?

Uma vitória dos conflitos internos não elimina toda e qualquer barreira externa. E, apesar dos desafios serem necessários para o crescimento de qualquer pessoa-artista, os que enfrentamos nos últimos anos por pouco não se transformaram em muros intransponíveis.

Em um país onde a arte é vista como artigo de luxo, a pandemia fez com que o setor cultural encolhesse ainda mais. Além disso, o governo Bolsonaro fez de tudo para sufocar a Cultura, a começar pelo desmonte do Ministério da Cultura, da redução de mais de 60% nos investimentos na área e terminando com os vetos às leis Paul Gustavo e Aldir Blanc 2. Enquanto isso, os trabalhadores da cultura (dentre os quais estou inclusa) se viraram como foi possível, cada um do seu jeito.

Não vejo como demérito nenhuma forma de trabalho com a Cultura. Admiro e respeito todas as pessoas que se dedicam aos seus projetos culturais, seja como hobby, como um segundo trabalho ou com dedicação em tempo integral.

O que não admito, no entanto, é que pessoas que desejam trabalhar com Cultura precisem viver se questionando e fazendo escolhas porque a Cultura é uma área cada vez mais encolhida e, como aconteceu na última gestão, ignorada pelo poder público — a mesma gestão que segregou ainda mais a Cultura, taxando artistas como grupos que precisam ser combatidos.

Dito tudo isso, voltemos ao meu lindo e livre caminho para 2023. Já está claro por aqui que sou muito feliz realizando projetos culturais e escrevendo histórias (o romance está indo muito bem, aliás). Encontrei meu lugar no mundo e desejo dedicar cada vez mais meu tempo a esse trabalho. No entanto, há o medo, medo de seguir pelo caminho mais incerto, ignorando opções que, quem sabe, pudessem me trazer mais estabilidade, mais certezas.

Apesar do medo, o governo Lula enche minha pessoa-artista de esperança. O retorno do Ministério da Cultura, chefiado pela Margareth Menezes, me enche de esperança. Ouvir um presidente valorizar mais os livros e a educação do que as armas, me enche de esperança.

No entanto, mesmo cheia de esperança, ter um governo preocupado com o desenvolvimento cultural não resolve todos os problemas do dia para a noite. Ainda haverá uma boa dose de caos pela frente.   

Caos de dentro, caos de fora. Qual será a entropia do seu sistema para 2023?

Por aqui, ainda não sei responder, mas deixo um desejo para todos nós, pessoas-artistas: que 2023 traga níveis seguros de entropia para que possamos dar um passo para além do medo.


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