Não é de hoje que eu e um monte de gente (talvez-inclusive você, que me lê agora) quer escrever um romance. O gênero, tido como o mais elevado da literatura, é capaz de laurear um escritor qualquer com o título de escritor completo. Sim, a narrativa longa tem esse poder, essa magia, esse tempero único que eleva tomos escritos por meros mortais ao cânone da eternidade.
Nos últimos 15 meses, falhei miseravelmente três vezes ao tentar escrever histórias maiores do que contos, mas menores do que romances: sim, estou falando das novelas, que são (numa definição simplista) romances reduzidos, sem aquele amontoado de tramas paralelas e núcleos narrativos. Cada uma dessas tentativas durou cerca de um mês, tempo que julguei ser meu limite de empenho nesta empreitada.
Ou era o que eu pensava até bem pouco tempo.
Pois bem. Pra começar, esses “um mês de tentativa” coincidiram com períodos menos atarefados da minha vida. Até aqui, nada surpreendente; escrever um romance ou uma novela (que seja!) é um projeto que demanda certo tempo livre.
O que sempre me incomodou foi o fato de, nas três ocasiões, eu ter me desconectado da história muito mais rápido do que o tempo que levei para me conectar a ela. Bastaram um ou dois dias para eu me desligar por completo de uma história que havia me tomado semanas de planejamento e escrita.
A princípio, achei que essa desconexão repentina era um sinal de que era melhor desistir daquela porcaria enquanto eu só tinha investido um mês nela.
Claro que essas percepções e cobranças pessoais existem e influenciam a nossa produção, mas, entre tentativas e desejos de escrever uma narrativa longa, identifiquei um fator bem mais sintomático: quanto maior o projeto de escrita, mais intensa precisa ser a entrega.
E o que eu quero dizer com isso?
Que para escrever uma narrativa maior, ou um livro, ou qualquer projeto de longa duração, talvez não baste apenas “abrir um espaço na agenda” pra escrever. É preciso manter níveis de concentração e conexão mais elevados do que os que nos habituamos a ter nesses tempos de informações infinitas e comunicações instantâneas.
Vou me usar de exemplo porque talvez a minha experiência seja parecida com a sua.
A minha capacidade de concentração diminuiu à medida que os celulares e as mensagens instantâneas foram se popularizando. No ano passado, tomei uma série de decisões para reduzir o protagonismo do celular na minha rotina, mas mesmo assim é comum eu travar batalhas internas ou fazer pequenos acordos mentais entre concluir uma tarefa e dar só “uma olhadinha” no celular.
(Só de escrever isso, fiquei com vontade de checar meu e-mail).
Quando escrevo textos curtos, como uma Cisma, um poema, um conto ou mesmo um exercício de escrita — ou seja, textos que demandam menos tempo para serem concluídos — essas pausas até parecem não fazer tanta diferença.
No entanto, só parecem.
O fato é que pausas para checar o celular, além de me tirarem do estado de fluxo (caso eu tenha chegado nele) também influenciam as relações que produzo quando retomo a escrita.
Claro que existem estudos e experimentos que demonstram como temos sido engolidos pela tecnologia. Um dos que grudaram na minha memória foi o que vi no episódio Vício em Tecnologia, da série documental Seguindo os Fatos, produzida pelo Buzzfeed.
Nele, o jornalista e condutor do episódio Charlie Warzel é submetido a um teste de concentração. A pesquisadora Nancy Cheever coloca eletrodos nas pontas dos dedos de Charlie para medir o EDA (atividade eletrodermal) e a frequência cardíaca do jornalista. Em seguida, ela pede o celular dele e o coloca em uma mesa atrás de Charlie, pedindo, em seguida, que ele trabalhe normalmente por dez minutos enquanto o experimento é realizado.
Quando Nancy começa a enviar repetidas mensagens e liga para o celular de Charlie, a ansiedade do jornalista, sem poder se virar para atender o celular, aumenta progressivamente. E o mais interessante desse experimento é que ele tem consciência de que foi manipulado.
Mencionei o experimento não para dizer que as pausas são ruins ou que a tecnologia só nos prejudica. Em alguns casos, acredito até que gerei boas associações depois de uma pausa para checar o telefone. No entanto, precisamos ter, no mínimo, a consciência de que algo muda cada vez que somos interrompidos.
Dito isso, hora de aumentar a escala. Ao invés de um texto curto, estou escrevendo um romance; e ao invés de uma pausa de dez minutos para checar as novidades, pauso o processo por dois ou três dias para resolver uma pendência complexa.
Adeus história que-intencionou-ser-longa, adeus. Nunca terei a chance de saber o que aconteceria no seu final.
(Se já tentei retomar uma dessas histórias paradas? Claro que sim. Achei ótimo reler o que escrevi, mas não rolou aquela reconexão, saca?)
Duas soluções: não escrever um romance (pra que continuar com esse projeto totalmente burguês, afinal?) ou querer MUITO escrever um romance (que se exploda o mundo, eu nem ligava pra nada mesmo).
Por aqui, não escrever um romance deixou de ser opção, porque tenho uma necessidade existencial de chegar ao fim de uma narrativa longa. Portanto, só me resta querer MUITO escrever um romance, a ponto de me manter completamente tomada pela história que estiver criando.
Bem, é claro que ainda não tenho a resposta de como atingirei esse estado de concentração-nirvana (se tivesse, não estaria cismando sobre o assunto), mas posso chutar uma opção: manter e proteger um espaço mental exclusivo para a escrita dessa narrativa longa, que não seria abalado nem pelo distanciamento, nem pelas distrações diárias, nem pela minha autocobrança.
Constato: um treino ridículo de difícil — mas extremamente necessário, pra mim e pra quem mais quiser escrever livros sem precisar abandonar todo o resto.
(Se já estou trabalhando em uma nova história longa? Claro que sim. Espero que, pelo menos dessa vez, eu chegue até o FIM).