1.
Pessoas explanando sobre seus métodos, seus processos, suas fontes de ideias. Não raro a pergunta tem chegado à mim, faminta. As respostas que ouço (de outros) colocam ordem lógica ao caos criativo, encharcadas de intencionalidades que assentam. Conhecer os caminhos pelo outro percorridos é sensação de paz.
2.
Faz tempo desacredito em inspiração-talento, mas ir pelo caminho da pura lógica também não satisfaz. Se colocar em palavra é construção cultural e incompletude do pensamento, há algo que o corpo escreve antes e está impossibilitado de traduzir. É esse intraduzível que me interessa.
3.
Perigoso é se colocar em lugar definidor de padrões. Acolher e trabalhar uma subjetividade é diferente de engessar pessoas com técnicas. Mas o que nós temos em mãos é um final do dia exaurido de sensibilidade, uma incapacidade de lidar com profundezas. O que temos em mãos é o eterno cansaço de problemas irresolvíveis.
4.
Então a pergunta que me fazem (agora assumindo) sobre como me acontece a escrita é da resposta mais simples possível: como uma meditação. Como Haruki Murakami, acordo para continuar sonhando e cada um que me lê é convidado a sonhar comigo. Tudo, absolutamente tudo que escrevo, é fruto de um único sonho, alimentado desde a infância e ao qual me agarro como se não houvesse forma outra. Ou seja, inútil.
5.
Posição difícil essa, de se manter na infância do sonho, captando pré-palavras em estado de meditação. De repente, tudo isso besteira, com a realidade puxando seus fios de urgências-padrões, e o corpo em sede de ser sonhado. A tudo atribuir significados, e que os outros falem e analisem sob suas óticas valorativas. Não bastaria ouvir o corpo sem o corpo então inserido em contexto de ser admirado.
6.
Bem pouco tempo até sonhos foram úteis. Na neurociência de hoje, sonhar (dormindo ou acordado) está mais do que explicado: simulacro da experiência. É aí que escrevo, como que ensaiando o de um dia dizer. Com sorte, por vezes digo, como quem rouba do ar articulações pré-moldadas.
7.
Apresente o seu trabalho: vamos dissecar. Primeiro, não se trata de trabalho, mas de algo que fiz e que não me deu trabalho algum, no máximo longos depósitos de tempo e energia. Segundo, não faz sentido algum apresentar algo que eu quero que as pessoas sintam. Apresentar é direcionamento-lógica, quando busco sensação-sinestesia.
8.
O maior valor é ver a pessoa com um livro meu nas mãos, sem dizer palavra, mas falando inteira. É assim que, por alguns instantes, sei que ela sonha comigo.
9.
Mas a questão do dinheiro, a questão da utilidade, a questão do contexto, a questão da relevância: todas forças contrárias ao puro-simples encontro. Seguir sonhando o sonho, acordada ou dormindo. Seguir sonhando o sonho (como um mantra) precisa vir primeiro.
(10).
Um extra-desafio: vivenciar cada escrita como a primeira.